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M. Eugénia Prata Pinheiro

segunda-feira, junho 28, 2010

Maria de Lurdes Rodrigues na versão "tesourinho deprimente"

Não tive paciência para ler a entrevista que a senhora deu ao Expresso. Transcrevo o comentário do Octávio Gonçalves.


Lê-se, a custo, a entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues ao Expresso e fica-se com a certeza que não havia necessidade de desenterrar e abrir este baú de horrores, pela circunstância de que não existe ali nenhuma ideia pedagógica que valha a pena, além de a mesma exprimir a insistência num conjunto de obstinações organizacionais que a escola pública rejeitou como elementos estranhos e excrescentes.
No essencial, estamos perante uma prestação furtiva, intelectualmente desonesta, pedagogicamente estéril e incapaz de qualquer auto-crítica.
Todavia, reconheço que, no meio do travo a bafio que exala da entrevista, transparece alguma capacidade de detecção de certos problemas, mas que Maria de Lurdes Rodrigues desbaratou, enquanto ministra, hipotecando-a a um sentimento primário anti-professores e a meros princípios de gestão inabilmente interpretados e incompetentemente aplicados.
Algumas das respostas de Maria de Lurdes Rodrigues são furtivas, uma vez que em relação às medidas absolutamente falhadas, porque insensatas, como a criação artificial dos "titulares" ou a introdução de "provas de recuperação", a ex-ministra foge a sete pés da análise e da assunção dos erros crassos que as mesmas consubstanciaram.
É, ainda, furtiva no modo como não é capaz de fundamentar o que afirma, como acontece com a defesa das colocações locais de professores (em que, num país como Portugal, as cunhas, o lambe-botismo partidário ou os "conhecimentos" se sobreporiam à competência profissional) na base de uma mentira orgânica, ou seja, a ideia de que o sistema de colocação nacional de professores é gigantesco e ingovernável. Ora, acontece que este é um dos domínios que melhor tem funcionado no ministério da Educação e melhor tem assegurado, no país, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento do mérito académico e profissional, contra o que seriam as escolhas deixadas ao arbítrio das impressões subjectivas de um Director.
De igual modo, a entrevista está atravessada por referências que denotam uma clara desonestidade intelectual, como quando persiste na confusão falaciosa entre rejeição do seu modelo de avaliação e não aceitação de qualquer avaliação ou na forma como simula não ter compreendido a dinâmica (e já agora as razões) da contestação dos professores, passando por cima da reacção e do levantamento em massa dos professores nas escolas como sendo redutível a uma acção/contestação sindical (foram os professores que arrastaram os sindicatos para a luta e não o contrário).
E que dizermos da mentira que continua a repetir sempre que atribui aos "titulares" maior experiência e mais competência, quando toda a gente conhece os critérios arbitrários, casuísticos e injustos que presidiram à lotaria dos titulares?
E onde residia (e reside) a seriedade e a consistência de um modelo de avaliação que entrega levianamente a avaliação dos professores a outros professores que o ministério da Educação é incapaz de assegurar como sendo aqueles que dispõem da melhor formação, treino, competência, autoridade e experiência reconhecidas para poderem avaliar os seus pares? Em muitas escolas e em muitos contextos de avaliação tudo se resume à palhaçada de um avaliador a impor as suas concepções pedagógicas e técnicas (erradas, ineficientes ou anacrónicas) a um colega avaliado que o supera em conhecimentos, destrezas e resultados.
Maria de Lurdes Rodrigues não faz uma única demonstração, com resultados consistentes ou com análises adequadas dos processos que ocorrem no terreno, das ideias que defende.
Mas, o mais deprimente é a circunstância de, ao longo de toda a entrevista, não se vislumbrar um pensamento pedagógico, uma linha em defesa da autoridade dos professores, da disciplina e da exigência do ensino, ou, mesmo, um reconhecimento do trabalho e da dedicação dos professores que se reformaram ou anteciparam, penalizados, a sua reforma.
O que melhor define os princípios organizacionais que formatam o pensamento desta burocrata e que substantivam o conteúdo desta entrevista é a constatação de que os mesmos podiam aplicar-se, da mesma forma, ao ministério da Educação como a uma empresa de produção de parafusos ou a uma qualquer cadeia de lojas de fast food, como se o efeito na natureza da relação educativa fosse exactamente o mesmo daquelas produções e serviços.
Métodos participativos, especificidades da relação pedagógica e dinâmicas organizacionais e culturais constituem áreas de aprendizagem em que Maria de Lurdes Rodrigues necessita de investir muito mais, em complemento ao seu aperfeiçoamento do Inglês.
Do livro que Maria de Lurdes Rodrigues agora publica e que designou como "A Escola Pública Pode Fazer a Diferença" uma conclusão é evidente: não foi, certamente, com a inabilidade política e com a incompetência técnica, características do seu mandato como ministra da Educação, que a Escola Pública fez a diferença, bem ao contrário, pois a mesma saiu mais enfraquecida, degradada e conflitual.
Afirmar que o balanço do seu mandato foi "positivo" e que "as medidas do programa do Governo foram todas concretizadas", constitui o melhor exercício para aferir a concepção que esta senhora tem do que é uma avaliação séria e adequada.

A título de mera nota de rodapé, direi que os professores a quem Maria de Lurdes Rodrigues dedica o seu livro testamentário só podem ser aqueles 13 que integraram aquela espécie de brigada contra-revolucionária.