Corrupçõezinhas
São hábitos de corrupção e irresponsabilização.
Quando o meu filho mais velho chegou ao décimo ano, passando a poder reprovar por faltas, fez as contas de acordo com a legislação que vigorava e ficou a saber o limite de faltas a cada disciplina. Um dia em Outubro disse à mesa , durante o jantar, que no intervalo para o almoço ele e outros da turma se tinham atrasado no café e tinham tido falta na primeira aula da tarde. Tinham que ter cuidado, concluímos. Não lhe passou pela cabeça propor que lhe justificássemos a falta, naturalmente porque sabia que não lha iríamos justificar. Eram faltas que ele próprio tinha que gerir. Aconteceu uma outra falta destas ainda no primeiro período. Ficou a informação e o alerta para a necessidade de assistir às aulas. Só nós e a família de um outro colega da turma não justificávamos estas faltas pelo que a directora de turma martirizava publicamente os rapazes apregoando que as respectivas famílias não lhes ligavam nenhuma. Ó mãe, vai lá que a professora tem a obsessão dos papeis arrumadinhos e até deve estar à espera que eu falsifique a tua assinatura ... Lá tive que ir ter com a directora de turma para lhe explicar que exactamente porque nos preocupávamos com a formação dos nossos filhos é que não poderíamos justificar aquelas faltas. Deixou de insistir com o rapaz para que levasse justificação deste tipo de faltas mas ficou a achar que éramos tolos, era bem mais fácil fazer como toda a gente.
Esta era uma questão antiga. Quando eu era directora de turma punha nestes termos o problema das justificações aos pais. Que me mandassem as justificações das idas ao médico, das doenças, das saídas com a família. As outras eu trataria com os meninos e mantê-los-ia ao corrente das diligências. Correu sempre tudo bem. Para a escola, aquela falha de papelinhos era péssima para o meu currículo.
A história da Rosa é, aliás, fabulosa.
A Rosa era daquelas alunas que chega à turma acompanhada de largo cadastro. Vivia com o pai, homem já não muito novo. Algumas repetências às costas e títulos peixeira, mal educada, insolente, começa a faltar e é uma sorte...
E na verdade logo nas duas primeiras semanas de aulas a Rosa deu uma série de faltas. Chamei-a e fui inquirindo . De Matemática não gosto, a essas horas adormeço... Propus-lhe que registasse nos papelinhos da caderneta. E lá escreveu. Faltei no dia x a mat porque não gosto; faltei no dia y a... porque adormeci... Pedi que assinasse. Pelo meu pai? Ora essa, agora pelo pai, não era ela quem tinha dado aquelas justificações? Que tinha o pai a ver com aquelas patetices. Assinava por ela. Assinou satisfeita com a sua importância. Claro que a avisei de seguida que estava esgotada a possibilidade de faltar até ao fim do primeiro período. Só mesmo uma doença gravíssima que eu própria iria confirmar. E informei-a logo que no início do segundo período combinaria com ela uns dias para ela faltar. Os olhos abriram-se de espanto mas dei um ar de normalidade à coisa, pondo-me a avaliar das necessidades para que não adormecesse para que a matemática ganhasse novo gosto... A professora de matemática disponibilizou-se para um apoio próximo quando ela quisesse. Não faltou mais até Dezembro. Em Janeiro, no primeiro dia de aulas, propus-lhe que escolhêssemos os dias para ela faltar. Que ainda não era preciso, que se precisasse me diria. Não falamos mais no assunto. Quando no terceiro período teve o melhor teste da turma a matemática, decidi premiá-la com um dia livre. Não quis, não era mesmo preciso. Resolvido este 6º ano, passou para a outra escola e o 7º, 8º e 9º foram canja. Perdi-lhe depois o rasto.
A história do Francisco também é significativa. O Francisco vivia mais ou menos sozinho ajudado nas tarefas domésticas pela empregada da casa. Foi parar, na terceira tentativa para fazer o 9º ano, a uma daquelas turmas com um grupo de alunos fixo desde o primeiro ciclo que vai depois fazendo adopções com êxito. E integraram o Francisco que lá foi conseguindo manter-se à tona com os cadernos organizados e as matérias apreendidas. E lá foi tendo as notas necessárias para que se antevisse uma normal passagem de ano. A tragédia abateu-se sobre a turma para o final do terceiro período. O Francisco ultrapassara o limite de faltas a Educação Física. Reprovara o ano. A turma decidiu que era preciso fazer desaparecer o livro de ponto onde as malfadadas faltas tinham registo. Foi fácil. Era o delegado de turma que carregava com o livro para as aulas. Levou sumiço. Nunca nenhum contou o que se passara. Como não deveria competir aos alunos o transporte do livro de ponto, não tiveram castigo. O Francisco passou.
Há outras histórias de faltas. Faltas dadas com conivências variadas que vão dos pais aos professores e aos médicos para resolver problemas de exames e de médias. Verdadeiros treinos para o salva-se quem pode. Quem tem unhas é que toca guitarra.
Quando o meu filho mais velho chegou ao décimo ano, passando a poder reprovar por faltas, fez as contas de acordo com a legislação que vigorava e ficou a saber o limite de faltas a cada disciplina. Um dia em Outubro disse à mesa , durante o jantar, que no intervalo para o almoço ele e outros da turma se tinham atrasado no café e tinham tido falta na primeira aula da tarde. Tinham que ter cuidado, concluímos. Não lhe passou pela cabeça propor que lhe justificássemos a falta, naturalmente porque sabia que não lha iríamos justificar. Eram faltas que ele próprio tinha que gerir. Aconteceu uma outra falta destas ainda no primeiro período. Ficou a informação e o alerta para a necessidade de assistir às aulas. Só nós e a família de um outro colega da turma não justificávamos estas faltas pelo que a directora de turma martirizava publicamente os rapazes apregoando que as respectivas famílias não lhes ligavam nenhuma. Ó mãe, vai lá que a professora tem a obsessão dos papeis arrumadinhos e até deve estar à espera que eu falsifique a tua assinatura ... Lá tive que ir ter com a directora de turma para lhe explicar que exactamente porque nos preocupávamos com a formação dos nossos filhos é que não poderíamos justificar aquelas faltas. Deixou de insistir com o rapaz para que levasse justificação deste tipo de faltas mas ficou a achar que éramos tolos, era bem mais fácil fazer como toda a gente.
Esta era uma questão antiga. Quando eu era directora de turma punha nestes termos o problema das justificações aos pais. Que me mandassem as justificações das idas ao médico, das doenças, das saídas com a família. As outras eu trataria com os meninos e mantê-los-ia ao corrente das diligências. Correu sempre tudo bem. Para a escola, aquela falha de papelinhos era péssima para o meu currículo.
A história da Rosa é, aliás, fabulosa.
A Rosa era daquelas alunas que chega à turma acompanhada de largo cadastro. Vivia com o pai, homem já não muito novo. Algumas repetências às costas e títulos peixeira, mal educada, insolente, começa a faltar e é uma sorte...
E na verdade logo nas duas primeiras semanas de aulas a Rosa deu uma série de faltas. Chamei-a e fui inquirindo . De Matemática não gosto, a essas horas adormeço... Propus-lhe que registasse nos papelinhos da caderneta. E lá escreveu. Faltei no dia x a mat porque não gosto; faltei no dia y a... porque adormeci... Pedi que assinasse. Pelo meu pai? Ora essa, agora pelo pai, não era ela quem tinha dado aquelas justificações? Que tinha o pai a ver com aquelas patetices. Assinava por ela. Assinou satisfeita com a sua importância. Claro que a avisei de seguida que estava esgotada a possibilidade de faltar até ao fim do primeiro período. Só mesmo uma doença gravíssima que eu própria iria confirmar. E informei-a logo que no início do segundo período combinaria com ela uns dias para ela faltar. Os olhos abriram-se de espanto mas dei um ar de normalidade à coisa, pondo-me a avaliar das necessidades para que não adormecesse para que a matemática ganhasse novo gosto... A professora de matemática disponibilizou-se para um apoio próximo quando ela quisesse. Não faltou mais até Dezembro. Em Janeiro, no primeiro dia de aulas, propus-lhe que escolhêssemos os dias para ela faltar. Que ainda não era preciso, que se precisasse me diria. Não falamos mais no assunto. Quando no terceiro período teve o melhor teste da turma a matemática, decidi premiá-la com um dia livre. Não quis, não era mesmo preciso. Resolvido este 6º ano, passou para a outra escola e o 7º, 8º e 9º foram canja. Perdi-lhe depois o rasto.
A história do Francisco também é significativa. O Francisco vivia mais ou menos sozinho ajudado nas tarefas domésticas pela empregada da casa. Foi parar, na terceira tentativa para fazer o 9º ano, a uma daquelas turmas com um grupo de alunos fixo desde o primeiro ciclo que vai depois fazendo adopções com êxito. E integraram o Francisco que lá foi conseguindo manter-se à tona com os cadernos organizados e as matérias apreendidas. E lá foi tendo as notas necessárias para que se antevisse uma normal passagem de ano. A tragédia abateu-se sobre a turma para o final do terceiro período. O Francisco ultrapassara o limite de faltas a Educação Física. Reprovara o ano. A turma decidiu que era preciso fazer desaparecer o livro de ponto onde as malfadadas faltas tinham registo. Foi fácil. Era o delegado de turma que carregava com o livro para as aulas. Levou sumiço. Nunca nenhum contou o que se passara. Como não deveria competir aos alunos o transporte do livro de ponto, não tiveram castigo. O Francisco passou.
Há outras histórias de faltas. Faltas dadas com conivências variadas que vão dos pais aos professores e aos médicos para resolver problemas de exames e de médias. Verdadeiros treinos para o salva-se quem pode. Quem tem unhas é que toca guitarra.
2 Comments:
Quer dizer que podia ter faltado mais vezes?
Claro que podias mas não faltaste.
E não me parece que tenhas ficado com algum trauma porque, ao que sei, cumpres com rigor as tuas tarefas e os teus horários.
Podes, se te der algum prazer, queixar-te de ter tido uma adolescência muito infeliz porque faltaste pouco à escola.
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