As minhas leituras
Aqui fica mais um importante texto do José Luís Sarmento (blogue legoergosum).
Sábado, 10 de Maio de 2008
Estamos a ser governados por bárbaros.
"Facilitismo é chumbá-los."
Isto disse a actual ministra da educação, textualmente, numa entrevista televisiva. E nenhum leitor de Orwell que a estivesse a ouvir deixou, com certeza, de sentir um arrepio: Peace is War, Freedom is Slavery, tudo aquilo que nos ficou no ouvido quando lemos Nineteen Eighty-Four.
"Facilitismo é chumbá-los."
O senso comum diria antes que facilitismo é passá-los sem saberem. A maioria dos professores, que na sua maior parte sabem mais de ensino do que a ministra (e alguns muito mais), tenderia a concordar neste ponto com o senso comum; outros talvez acrescentassem que facilitismo é não diversificar as escolas, os programas e os currículos de maneira a que cada aluno possa encontrar no sistema o que melhor corresponde aos seus interesses, aos seus talentos e à sua idiossincrasia. Mas é claro que para uma estrutura centralizada e massiva como o ministério da educação o que é fácil é o modelo único.
"Facilitismo é chumbá-los."
Na convicção, na certeza absoluta com que a afirmação foi feita ouvem-se os ecos de todos os fanáticos e de todos os fundamentalistas. Vem à memória a Revolução Cultural Chinesa, com a qual tantos dos nossos políticos neo-liberais simpatizaram na juventude. Num recanto qualquer da mente de Maria de Lurdes Rodrigues a condição de "intelectual" continua a ser crime: daí o seu empenho inflexível em "re-educar" os professores pelo "trabalho": quanto mais desqualificado, humilhante, exaustivo e penoso este for, mais virtuoso será, e mais revolucionário.
"Facilitismo é chumbá-los."
A dilaceração psicológica que hoje afecta os professores assemelha-se na sua índole - embora não em grau, felizmente - àquilo a que costumo chamar o dilema do guarda no campo de concentração. Imagino um jovem alemão que nos anos trinta se tenha alistado no exército e que alguns anos depois se encontre colocado, sem nunca o ter pedido, num campo de extermínio. Sabe, não pode deixar de saber, o que lá se passa. Sabe que deve obediência à hierarquia legitimamente constituída. Sabe que essa obediência contradiz frontalmente a ética militar que lhe ensinaram - um soldado não pode nem deve ser um carniceiro e não mata civis desarmados - e contradiz igualmente a moral que lhe foi ensinada pelos pais, pelos professores, pela sociedade, pela igreja, que o proíbe de matar e torturar. A quem obedece o guarda? Aos seus superiores ou à sua consciência?
"Facilitismo é chumbá-los."
Tenho o sentido das proporções. Sei que o Portugal de hoje não é a Alemanha dos anos 30. Sei que os tecno-burocratas que pululam pelos nossos ministérios não são assassinos sádicos. E os nossos governantes não são psicopatas criminosos: são apenas, mais modestamente e de modo mais vil, bárbaros deslumbrados, incapazes de distinguir entre a civilização e o espectáculo.
"Facilitismo é chumbá-los."
Mas a ignorância do bárbaro, especialmente a do que se julga dono do futuro, tem-se mostrado historicamente tão perigosa como a violência do tirano. Um professor, um bom professor, é alguém que sempre se colocou como antepara e protecção entre a civilização e a barbárie. O combate à barbárie é o centro e o fundamento da sua ética profissional, da sua razão de existir e até, muitas vezes, da sua identidade como ser humano.
"Facilitismo é chumbá-los."
Que fará um professor, um bom professor, ao ver-se obrigado a optar entre o seu dever de obediência a uma autoridade (cuja legitimidade não pode negar) que lhe impõe a barbárie como objectivo e programa, e a obediência à deontologia mais elementar da sua profissão, que o obriga a combater por todos os meios essa mesma barbárie? Temo que a maior parte faça como fez a maior parte dos guardas dos campos de concentração. Desobedecer é perigoso, obedecer é seguro. Muitos escolherão a obediência. E com essa escolha generalizada o sistema terá chegado a um patamar superior de facilitismo e decadência.
"Facilitismo é chumbá-los."
O senso comum diria antes que facilitismo é passá-los sem saberem. A maioria dos professores, que na sua maior parte sabem mais de ensino do que a ministra (e alguns muito mais), tenderia a concordar neste ponto com o senso comum; outros talvez acrescentassem que facilitismo é não diversificar as escolas, os programas e os currículos de maneira a que cada aluno possa encontrar no sistema o que melhor corresponde aos seus interesses, aos seus talentos e à sua idiossincrasia. Mas é claro que para uma estrutura centralizada e massiva como o ministério da educação o que é fácil é o modelo único.
"Facilitismo é chumbá-los."
Na convicção, na certeza absoluta com que a afirmação foi feita ouvem-se os ecos de todos os fanáticos e de todos os fundamentalistas. Vem à memória a Revolução Cultural Chinesa, com a qual tantos dos nossos políticos neo-liberais simpatizaram na juventude. Num recanto qualquer da mente de Maria de Lurdes Rodrigues a condição de "intelectual" continua a ser crime: daí o seu empenho inflexível em "re-educar" os professores pelo "trabalho": quanto mais desqualificado, humilhante, exaustivo e penoso este for, mais virtuoso será, e mais revolucionário.
"Facilitismo é chumbá-los."
A dilaceração psicológica que hoje afecta os professores assemelha-se na sua índole - embora não em grau, felizmente - àquilo a que costumo chamar o dilema do guarda no campo de concentração. Imagino um jovem alemão que nos anos trinta se tenha alistado no exército e que alguns anos depois se encontre colocado, sem nunca o ter pedido, num campo de extermínio. Sabe, não pode deixar de saber, o que lá se passa. Sabe que deve obediência à hierarquia legitimamente constituída. Sabe que essa obediência contradiz frontalmente a ética militar que lhe ensinaram - um soldado não pode nem deve ser um carniceiro e não mata civis desarmados - e contradiz igualmente a moral que lhe foi ensinada pelos pais, pelos professores, pela sociedade, pela igreja, que o proíbe de matar e torturar. A quem obedece o guarda? Aos seus superiores ou à sua consciência?
"Facilitismo é chumbá-los."
Tenho o sentido das proporções. Sei que o Portugal de hoje não é a Alemanha dos anos 30. Sei que os tecno-burocratas que pululam pelos nossos ministérios não são assassinos sádicos. E os nossos governantes não são psicopatas criminosos: são apenas, mais modestamente e de modo mais vil, bárbaros deslumbrados, incapazes de distinguir entre a civilização e o espectáculo.
"Facilitismo é chumbá-los."
Mas a ignorância do bárbaro, especialmente a do que se julga dono do futuro, tem-se mostrado historicamente tão perigosa como a violência do tirano. Um professor, um bom professor, é alguém que sempre se colocou como antepara e protecção entre a civilização e a barbárie. O combate à barbárie é o centro e o fundamento da sua ética profissional, da sua razão de existir e até, muitas vezes, da sua identidade como ser humano.
"Facilitismo é chumbá-los."
Que fará um professor, um bom professor, ao ver-se obrigado a optar entre o seu dever de obediência a uma autoridade (cuja legitimidade não pode negar) que lhe impõe a barbárie como objectivo e programa, e a obediência à deontologia mais elementar da sua profissão, que o obriga a combater por todos os meios essa mesma barbárie? Temo que a maior parte faça como fez a maior parte dos guardas dos campos de concentração. Desobedecer é perigoso, obedecer é seguro. Muitos escolherão a obediência. E com essa escolha generalizada o sistema terá chegado a um patamar superior de facilitismo e decadência.
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