Nuno Crato no "Público"
Temo-lo dito inúmeras vezes: seria bom que o Ministério da Educação promovesse uma avaliação honesta, rigorosa e consistente dos alunos e que desse liberdade aos professores e às escolas para orientarem, responsável e livremente, os processos de ensino. Aparentemente, ninguém o contesta, mas na prática passa-se exactamente o contrário. O Estado controla ao pormenor o ensino público e privado, contrata e coloca centralmente os professores, preocupa-se em normalizar as durações das aulas e dá orientações de pormenor sobre os métodos de ensino. Mas pouco avalia. E, quando avalia, avalia mal.
Um exemplo do controlo centralizado seguido pelo Ministério é a forma como estão a ser postos em prática os novos programas de matemática do Ensino Básico. Começou por ser encomendado um simples “reajustamento” dos programas. Mas a equipa que fez esse “reajustamento” passou pouco depois a falar em “novos programas”. E agora, que a anterior ministra homologou as alterações — no meio de críticas gerais, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) —, a equipa ou parte dela está a coordenar uma “formação” centralizada sobre esses programas. Por todo o país são destacados professores que irão formar outros professores. Há reuniões regulares, pedem-se relatórios de implementação e questionam-se os que não convencem devidamente os seus colegas.
Imaginar-se-ia que se estaria a explicar por que se insiste mais na Geometria e como se pode introduzir o raciocínio dedutivo. Mas não. Montou-se uma gigantesca operação de conversão dos professores a uma crença pedagógica. O que parece ser central é saber se os formadores dos diversos pontos do país conseguem ou não convencer os seus colegas a adoptar uma antiquada ideologia, que é apresentada como se fosse nova. A preocupação é saber se os professores adoptam ou não a crença de que a máquina de calcular deve ser colocada nas mãos de crianças que ainda não sabem a tabuada, de que a matemática deve ser toda ensinada com base em actividades dispersas, de que dessas actividades surgirá interesse pela matéria e de que é, sobretudo, a partir de “actividades de exploração e de investigação” e de “problemas não rotineiros” que os alunos “constroem o seu conhecimento”.
O problema, claro, é que estes exageros são altamente nocivos. Os bons professores sabem há muito que esta crença pedagógica não funciona. Mas os mais novos ficam confusos. Outros fingem acreditar. A realidade é que toda a investigação da psicologia cognitiva moderna tem vindo a revelar o contrário: a aprendizagem deve ser bem estruturada, o ensino directo tem um papel importante e a escola torna-se muito ineficiente se usar predominantemente actividades dispersas, passando a ser difícil, se não impossível, aprender matemática. Os mais prejudicados, como sempre, serão os alunos com mais problemas e sem recursos alternativos. Todos vêm isso, menos os que estão fora das salas de aula e perderam contacto com a realidade.
A juntar a tudo isto, recomenda-se uma nova notação para a geometria (felizmente, é apenas uma recomendação!). Mas as alterações de notação e de terminologia apenas devem ser feitas quando isso é indispensável, e devem ser coordenadas de forma a evitar incongruências de ano para ano e de escola para escola. Não é o caso. A dita “nova notação” é tudo menos consensual — e é infantilizadora. Por isso, legitimamente, muitos manuais decidiram não a adoptar. E muitos professores decidiram manter a notação consagrada pela prática. A larga maioria está em desacordo com a mudança.
A propagação desta ideologia pedagógica é o resultado de um revoltante abuso de poder. Usurpou-se uma tarefa de reajustamento de conteúdos curriculares, logrou-se uma indiferença do Ministério e aproveitou-se a ocasião para tentar uma propagação autoritária de uma crença ideológica sectária. Além dos problemas éticos, é duvidoso que não haja em tudo isto uma flagrante ilegalidade.
O problema seria ultrapassável, embora a prazo e com prejuízo de gerações de estudantes, se o Ministério fizesse o que devia, que é promover a avaliação dos alunos de forma rigorosa, independente e consistente. Se isso fosse feito, rapidamente se veria que estes exageros da antiquada pedagogia romântica conduzem ao desastre.
Mas a avaliação foi transformada numa caricatura. Não há exames externos até ao 9.º ano de escolaridade e, mesmo nesse, a nota de exame representa apenas 30% na classificação final. Antes disso, há umas provas ditas de “aferição” que não têm peso nas notas, com excepções das raras escolas em que os professores assim o decidem. Mais grave ainda: essas provas, que antigamente eram feitas por amostragem e de quase nada serviam — sendo apenas usadas por alguns responsáveis para tentar “mostrar” que não vale a pena aprender a fazer contas —, foram transformadas em provas gerais sem serem devidamente adaptadas. Antigamente, poderiam ser normalizadas (“norm-based”), tendo perguntas muito elementares para aferirem o real estado do ensino. Mas, quando foram generalizadas e publicitadas, tornando-se inevitavelmente em provas de referência, deveriam ter alinhado o seu nível de dificuldade com os programas, os manuais e as práticas (“criterion-based”), para poderem solidificar, confirmar, ou mesmo elevar os níveis de exigência da escola. Isso não aconteceu, de forma que se tornaram num instrumento de desmoralização pedagógica, perguntando a alunos de 6.º ano de escolaridade quanto é cinco mais dois ou quanto é oito a dividir por quatro, com recurso à máquina de calcular.
No meio de tudo isto, torna-se praticamente impossível avaliar os resultados das práticas lectivas. Como tudo seria diferente se, em vez de controlar processos, o Ministério promovesse a avaliação de resultados! Como tudo seria mais justo se os professores pudessem ajustar com liberdade os métodos que melhor funcionam e se, ao fim dos anos, fosse visto, pelos resultados dos alunos, quais são as melhores maneiras de progredir! Mas não: em Portugal controla-se muito, mas avalia-se mal.
(Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática)
Nota minha: Não seria fácil, antes de tudo o mais, dar apoio imediato aos alunos do 1º ano que logo nos primeiros meses ficam para trás? A estes alunos que, embora com normais competências, por circunstâncias várias, não agarram a leitura e a escrita e as primeiras dicas para o cálculo? A estes alunos que em pouco tempo ficam a desgostar da escola? Que se vão depois arrastando ano após ano em repetências acumuladas ou passagens por "velhice" e que perturbam o funcionamento de aulas que não conseguem acompanhar? Não seria fácil apoiá-los no momento dos primeiros desaires? Parece-me fácil esta avaliação e fácil o remédio.
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