A rentrée - Pedro Lomba no Público
Regressado de umas férias nos países de baixa corrupção do capitalismo protestante, onde uma sólida ética comunitarista (também designada por social-democracia escandinava) coexiste com uma forte iniciativa privada e responsabilidade individual ("socialismo é trabalho", disse uma vez Costa Gomes), reencontro a política portuguesa no exacto ponto de fervura onde a tínhamos deixado.
PS e PSD reabriram o ano político em torno do debate sobre o projecto de revisão constitucional de Passos Coelho. Um debate que não é obviamente debate, limitando-se à troca de acusações mútuas que nenhum português está em condições ou com disposição para compreender. O PSD avança e recua no seu projecto - um erro político de Passos Coelho, não apenas no tempo e no modo como foi apresentado, mas porque deixa em demasia a impressão de que o PSD está a fazer oposição por tentativa. Atira o barro à parede esperando que cole: se sim, perfeito; se não, continuará novo ensaio a seguir esquecendo o que fez.
Já Sócrates nunca nos decepciona pela maneira venal como entende a política. O homem inaugura meia dúzia de quilómetros, anuncia conquistas intoxicantes, apresenta-se como o anjo protector do Estado Social. Quando o país atingiu a incrível taxa de desemprego que tem, a desigualdade e imobilidade social que tem, quando há uma nova emigração que busca no exterior o que não consegue dentro de portas, ver e ouvir este primeiro-ministro dizer-se o "campeão" de qualquer conceito de justiça só pode servir de comédia para os mal informados.
Mas pode perceber-se por outra via este apego de Sócrates pela justiça social. O primeiro-ministro gosta de pensar que o seu tempo tem sido um ataque mortal às elites tradicionais, muitas delas predadoras, que governavam o país. Não lhe falta ambição para esse pensamento. Na verdade, o socratismo ficará um dia na História como a grande sopa dos pobres da política portuguesa. Muita gente sem currículo, sem mérito e uns quantos sem ética viu-se de repente alcandorada a lugares de chefia nos governos, nas empresas públicas, na banca, no poder económico e até mesmo nos órgãos de comunicação social. Tem sido essa a noção de justiça pública de Sócrates: uma política de interesses em que eles e os seus amigos andam à solta pelo Estado protegendo-se reciprocamente.
Ontem, o Governo autorizou que algumas empresas públicas ultrapassem os limites de endividamento. Nenhuma responsabilização sobre a origem do buraco dessas empresas. Se acabaram de aterrar em Portugal, saibam que pode faltar dinheiro para muita coisa mas não faltará para as empresas públicas mal geridas e deficitárias.
Há muito tempo que os políticos não pareciam tão afastados de qualquer relação com a realidade como hoje; e há muito tempo que eles, ou uma parte deles, não pareciam tão desinteressados das tarefas que lhes confiámos. É certamente injusto para os que não merecem tamanha rejeição. E será talvez sinal de um fenómeno mais vasto que também atinge o resto da Europa. Mas uma grande retórica do nada, do poder pelo poder, do cálculo, da manha e da inutilidade tomou conta da nossa política. Se os portugueses não ouvem nem querem ouvir os políticos, não será por culpa deles.
Até os jornais, mais fracos e periféricos, reproduzem acriticamente estes debates. Nunca percebi por que razão leio notícias na imprensa que resultam daquilo que os políticos dizem e não daquilo que fazem ou não fazem. A tendência da imprensa para repetir a linguagem do poder sem a sujeitar a um teste de verdade encontra-se frequentemente num tipo de notícias construídas a partir de declarações de personagens públicas. Marcelo Rebelo de Sousa diz que "é difícil apoio tão quase a favor" como o do PS a Alegre. "Manuel Alegre refuta Marcelo e diz que Sócrates está do seu lado". Duas notícias saídas dos jornais dos últimos dias, ao lado de outras do género. E no entanto: por que razão se faz disto uma notícia, estes jogos teatrais dos políticos? Escutar para além do que nos dizem, é essa a nossa principal obrigação.
Jurista
PS e PSD reabriram o ano político em torno do debate sobre o projecto de revisão constitucional de Passos Coelho. Um debate que não é obviamente debate, limitando-se à troca de acusações mútuas que nenhum português está em condições ou com disposição para compreender. O PSD avança e recua no seu projecto - um erro político de Passos Coelho, não apenas no tempo e no modo como foi apresentado, mas porque deixa em demasia a impressão de que o PSD está a fazer oposição por tentativa. Atira o barro à parede esperando que cole: se sim, perfeito; se não, continuará novo ensaio a seguir esquecendo o que fez.
Já Sócrates nunca nos decepciona pela maneira venal como entende a política. O homem inaugura meia dúzia de quilómetros, anuncia conquistas intoxicantes, apresenta-se como o anjo protector do Estado Social. Quando o país atingiu a incrível taxa de desemprego que tem, a desigualdade e imobilidade social que tem, quando há uma nova emigração que busca no exterior o que não consegue dentro de portas, ver e ouvir este primeiro-ministro dizer-se o "campeão" de qualquer conceito de justiça só pode servir de comédia para os mal informados.
Mas pode perceber-se por outra via este apego de Sócrates pela justiça social. O primeiro-ministro gosta de pensar que o seu tempo tem sido um ataque mortal às elites tradicionais, muitas delas predadoras, que governavam o país. Não lhe falta ambição para esse pensamento. Na verdade, o socratismo ficará um dia na História como a grande sopa dos pobres da política portuguesa. Muita gente sem currículo, sem mérito e uns quantos sem ética viu-se de repente alcandorada a lugares de chefia nos governos, nas empresas públicas, na banca, no poder económico e até mesmo nos órgãos de comunicação social. Tem sido essa a noção de justiça pública de Sócrates: uma política de interesses em que eles e os seus amigos andam à solta pelo Estado protegendo-se reciprocamente.
Ontem, o Governo autorizou que algumas empresas públicas ultrapassem os limites de endividamento. Nenhuma responsabilização sobre a origem do buraco dessas empresas. Se acabaram de aterrar em Portugal, saibam que pode faltar dinheiro para muita coisa mas não faltará para as empresas públicas mal geridas e deficitárias.
Há muito tempo que os políticos não pareciam tão afastados de qualquer relação com a realidade como hoje; e há muito tempo que eles, ou uma parte deles, não pareciam tão desinteressados das tarefas que lhes confiámos. É certamente injusto para os que não merecem tamanha rejeição. E será talvez sinal de um fenómeno mais vasto que também atinge o resto da Europa. Mas uma grande retórica do nada, do poder pelo poder, do cálculo, da manha e da inutilidade tomou conta da nossa política. Se os portugueses não ouvem nem querem ouvir os políticos, não será por culpa deles.
Até os jornais, mais fracos e periféricos, reproduzem acriticamente estes debates. Nunca percebi por que razão leio notícias na imprensa que resultam daquilo que os políticos dizem e não daquilo que fazem ou não fazem. A tendência da imprensa para repetir a linguagem do poder sem a sujeitar a um teste de verdade encontra-se frequentemente num tipo de notícias construídas a partir de declarações de personagens públicas. Marcelo Rebelo de Sousa diz que "é difícil apoio tão quase a favor" como o do PS a Alegre. "Manuel Alegre refuta Marcelo e diz que Sócrates está do seu lado". Duas notícias saídas dos jornais dos últimos dias, ao lado de outras do género. E no entanto: por que razão se faz disto uma notícia, estes jogos teatrais dos políticos? Escutar para além do que nos dizem, é essa a nossa principal obrigação.
Jurista
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