E agora, professores?
O PS perdeu meio milhão de votos, a maioria absoluta e 24 deputados. Não é legítimo apontá-lo como derrotado? Mas o PS ganhou as eleições, teve o maior número de votos expressos e elegeu o maior número de deputados. Não é legítimo apontá-lo como vencedor?
O Bloco de Esquerda, ao duplicar o número de deputados, não tem legitimidade para se sentir vencedor? Mas não é derrota relativa ter sido ultrapassado pelo CDS, que é agora a terceira força política com representação parlamentar?
A campanha desastrosa que fez, o programa sem rasgo que propôs, as trapalhadas em que se envolveu e o resultado medíocre obtido não fizeram do PSD o grande perdedor deste acto eleitoral? E se alguém quiser dizer, por referência aos resultados de 2005, que o PSD aumentou a votação conseguida?
Que dizer da CDU? Também subiu e por isso pode falar de vitória. Mas não é derrota amarga ter sido ultrapassada pelo Bloco de Esquerda e pelo CDS?Que pensar dos que afirmam que o eleitorado votou inequivocamente à esquerda, quando são os mesmos (e em minha opinião com razão) que passaram quatro anos e meio a apodar de direita as políticas impostas por este PS, agora, dizem eles, de esquerda?
Deste exercício dicotómico escapa-se o CDS, o grande vencedor destas eleições. Não descortino em que possamos encontrar-lhe sinais de derrota.
Outra vencedora, triste vencedora para quem viveu quase meio século a lutar para que um dia pudesse votar livremente no seu país, foi a abstenção. Houve 3 milhões 678 mil e 536 cidadãos eleitores que se alhearam desse dever cívico. Os 36,56 por cento do PS passam para 21,75 por cento, se referidos ao número total de eleitores. É um número que merece reflexão. Em rigor, o PS foi escolhido apenas por 21,75 por cento dos portugueses com direito a voto. Não será esta uma derrota pesada da democracia?
A próxima legislatura nada terá de semelhante à anterior. A Assembleia da República ganhou protagonismo e as forças partidárias que a compõem ganharam particulares responsabilidades e capacidade de influenciarem a definição das políticas. Há quem recorde, com pertinência que compreendo, o compromisso assumido pela generalidade dos partidos que se opuseram ao PS e agora têm poder acrescido. Mas a pré-campanha, a campanha em si e os debates televisivos foram muito significativos quanto ao valor real dos compromissos na índole dos políticos que temos. O valor que atribuem à Educação é meramente circunstancial. Nada resiste para além da efemeridade de um discurso (e de um compromisso) de circunstância. A urgência de resolução dos milhentos problemas que tornam a vida nas escolas num inferno, e que estão longe de ser os mais importantes de um sistema de ensino sério, dependeria muito mais dos novos inquilinos da 5 de Outubro que de compromissos e programas. Mas com este resultado, a visão estalinista que orientou a Educação nacional não vai mudar. Vai apenas adoçar-se com protagonistas presumivelmente mais delicados, que continuarão a senda de transformação de cada professor num simples funcionário que ensine pouco, preencha cada vez mais papéis, relatórios e fichas, registos de toda a espécie, grelhas, actas e matrizes programadoras de todos os comportamentos, projectos e planos educativos, individuais ou de grupo. Com este resultado, os professores portugueses também não escapam à dicotomia dos resultados: ganharam, tendo perdido.
E agora?
Vamos entrar em jogos complexos que se arrastarão no tempo. Ao desanuviamento antecipável não vão corresponder soluções céleres. O PS perdeu a maioria absoluta mas os professores não se livraram de Sócrates que, agora delicadamente, continuará a querer vergá-los.
Porque a maioria absoluta se foi, a divisão da carreira não desaparecerá facilmente, muito menos a razão de cariz económico (entretanto reforçada com um défice maior que o de 2005) que determinou as quotas. Porque o PS ganhou, Sócrates vai persistir nesta gestão das escolas e nesta avaliação do desempenho, que classificou de instrumentos centrais das suas políticas. Porque Sócrates perdeu a maioria absoluta, Sócrates não pode perder outras coisas. Não pode perder, por exemplo, o sucesso estatístico que fabricou. Não pode, por isso, abrir mão de tudo o que promova resultados sem saber. Não abrirá mão do estatuto do aluno e da indigência que promove, na qual se inscreve a farsa do ensino profissional. A precariedade imposta ao exercício da profissão docente e a sistemática retirada de direitos aos professores não foram meros instrumentos conjunturais. Foram, outrossim, pilares de uma política que será excluída, liminarmente, do pacote de cedências para consumo parlamentar, que o PS estará já a preparar.
Sócrates vai ter que negociar muito sobre muitas coisas. A Oposição não lhe pode impor tudo. E no jogo das trocas, a Educação será sempre um elo fraco. Excepto para ele que deu, pessoalmente, demasiado a cara pelas desastrosas reformas feitas. Professor do ensino superior. s.castilho@netcabo.pt
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