Parecer da Sociedade Portuguesa de Matemática...
...sobre o Projecto de Metas de Aprendizagem de Matemática para o Ensino Básico.
1. A Sociedade Portuguesa de Matemática começa por salientar que o projecto de metas para a disciplina de Matemática apresentado dia 29 de Junho foi feito sem qualquer contributo da nossa Sociedade, apesar de há muito a SPM ser a única organização que tem pugnado por metas de aprendizagem, ou seja, pela clarificação de objectivos claros, simples de descrever, precisos e mensuráveis. A responsabilidade dessa omissão deve-se exclusivamente à equipa destacada para elaborar as ditas metas. De facto, a SPM expressou directamente a sua disponibilidade para colaborar neste processo, e os responsáveis optaram por escolher uma equipa sem um único matemático e constituída por pessoas da área da educação que repetidamente se têm oposto à organização do ensino com metas precisas. Este facto paradoxal deve ser tido em conta para perceber:
(i) a inexistência de responsabilidades da SPM pelas falhas do documento proposto,
(ii) o repetido e consciente afastamento dos matemáticos portugueses da colaboração nas orientações educativas,
(iii) a origem de algumas das consequentes limitações do documento.
2. O documento em apreciação tem limitações muito graves e não nos parece que possa sequer constituir um elemento de partida para a elaboração de metas, no sentido acima definido e que corresponde, no nosso melhor entendimento, ao cometimento da Senhora Ministra (attainment targets, learning outcomes ou standards).
O documento é vago, demasiado extenso (56 páginas) e pouco claro. Não clarifica metas para o programa (76 páginas), limitando-se a repetir, com insuficiências, o que nele está estabelecido. Confunde metas com processos de ensino e confunde metas cognitivas com atitudes.
Apesar da herança de um diploma orientador lamentável, como o é o Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais, que menospreza o valor do conhecimento e das metas cognitivas, preconizando antes o desenvolvimento de competências práticas, seria certamente possível construir um documento mais bem estruturado, mais coerente e mais útil para escolas, professores e pais.
A propósito desta referência, vale a pena salientar o progressivo afastamento, pelo menos na forma, da orientação do ensino por competências. A SPM tem repetidamente criticado esta orientação desactualizada e ideologicamente marcada, propondo que se fale antes em conhecimentos e capacidades. Curiosamente, a palavra “competências” não aparece uma única vez no documento geral de proposta de metas nem no documento de metas para a Matemática. Começam a ser
separados conhecimentos e listadas expressamente capacidades. É bom que assim seja, embora seja triste termos tido de esperar quase 10 anos para que fosse dada razão, pelo menos na forma, às críticas da SPM. Infelizmente, como em seguida mostramos, essa mudança é apenas de linguagem.
Construir metas razoáveis para o ensino da matemática é uma tarefa facilitada por alguns documentos internacionais de que são exemplo recente os “Common Core Math Standards” norte-americanos. Seria útil consultar, por exemplo, as metas estabelecidas no Reino Unido para o ensino da matemática no equivalente ao Ensino Básico (http://curriculum.qcda.gov.uk). Seria útil também, tal como nos documentos britânicos, estabelecer os níveis de alcance de cada objectivo cognitivo e em diversos anos de escolaridade.
Particularizamos em seguida as nossas principais críticas e sugestões.
3. No preâmbulo, defende-se uma organização em termos e conceitos pedagógicos vagos: “temas matemáticos”, “capacidades transversais” e “eixos fundamentais”. Diz-se que as metas “não substituem o programa” e não se indicam precedências, quando isto seria fundamental para organizar o alcance das metas.
A linguagem é, em geral, pouco precisa. Que quer dizer, por exemplo, que se deseja que o aluno, à entrada do 1.º ciclo (p. 3), “Classifica objectos, fazendo escolhas e explicando as suas decisões”? E como se lhe pode pedir que utilize “diagramas de Venn, quando solicitado”? E que quer dizer “Classifica objectos identificando as suas semelhanças e diferenças”?
Mais grave ainda: que significa “Escuta os colegas e contrapõe as suas ideias”? É esta uma meta matemática? E apenas à entrada do 1.º ciclo? Estes objectivos são tão vagos que são comuns a várias disciplinas e a todos os anos de escolaridade. Na realidade nada se está a estabelecer.
Outro exemplo preocupante é a meta estabelecida na página 6: “Discute ideias matemáticas”. Poderia pensar-se que esta “capacidade transversal” iria ser melhor caracterizada na coluna intitulada “Especificação das Metas”. No entanto, o que aí aparece é apenas “Discute resultados, processos e ideias matemáticos.”
Finalmente, é muito prejudicial que sejam estabelecidas metas correspondentes a níveis cognitivos superiores ignorando a necessidade de atingir níveis mais básicos. Esse tem sido um erro fundamental de orientação educativa. Veja-se, na página 5, as metas “Justifica resultados Matemáticos” e “Formula e testa conjecturas”. Além de serem objectivos vagos (que conjecturas? que grau de justificação?), são objectivos desorganizadores do ensino se não forem claramente precedidos de informação e treino que permita dar significado às justificações e conjecturas. É necessário dar precedência a actividades e objectivos muito mais elementares tais como, por exemplo, comparar, classificar e ordenar.
4. Repetidamente, o documento confunde metas com processos, repisando uma prática pedagógica nefasta que a SPM tem criticado. Veja-se, por exemplo, a página 11: “Constrói, justificando o processo usado e memoriza as tabuadas do 2, 5, 10, 4, 3 e 6.” (sic!).
Tudo isto corresponde a uma teoria pedagógica que menoriza os objectivos de conhecimento matemáticos e enfatiza os processos de ensino. O que cabe numa listagem de metas é a enumeração e justificação de objectivos para a matemática, não a descrição da maneira de os atingir. Além disso, como temos frisado, a ideia de que tudo precisa de uma justificação e de um processo de construção que conduza a uma “memorização” raciocinada é uma ideia errada que tem destruído o alcance das etapas cognitivas básicas. Tem-se, por exemplo, evitado memorizar a tabuada com o pretexto de se procurarem alcançar etapas mais avançadas que depois não se
atingem. É a repetição do dogma pedagógico da “construção do conhecimento” que tantos prejuízos tem causado.
5. O documento confunde também metas de aprendizagem concretas com objectivos vagos que têm causado danos, precisamente pelo seu carácter ambíguo e pretensamente ambicioso que conduz a uma desorganização do ensino.
Veja-se, por exemplo, na página 15: “compara e descreve sólidos geométricos, identificando semelhanças e diferenças”. De que sólidos se trata? Que propriedades estão em causa na comparação? Nada disto é dito, fazendo com que este objectivo seja tão aplicável no 1.º ciclo como em todos eles e mesmo em cadeiras de pós-graduação universitárias.
Insuficiências deste tipo abundam. Repare-se, por exemplo, na página 13, “Realiza estimativas de uma dada quantidade”, mas não se explica de que tipo de estimativas se trata e com que regras devem ser obtidas. E na página 16: “Resolve problemas envolvendo propriedades das figuras geométricas no plano e no espaço”. Que tipo de problemas? Que tipo de propriedades?
Contraste-se, ainda, na página 48, um objectivo concreto com uma formulação vaga de uma referência pedagógica inútil. O objectivo concreto, que apoiamos para o 9.º ano (e ainda para anos anteriores), está assim formulado: “Resolve sistemas de duas equações do 1.º grau a duas incógnitas.” E a referência vaga que se apresenta ao mesmo nível e logo por debaixo deste objectivo é: “Representa informação, ideias e conceitos matemáticos de diversas formas.”
É preciso dizer-se claramente, para que se perceba este erro crucial do documento: o objectivo de representar informações, ideias e conceitos de diversas formas é tão apropriado ao 1.º ciclo, como a alunos do 9.º ano, como a matemáticos profissionais doutorados. E quando uma formulação é tão vaga que nada restringe — sabe-se pelo menos desde Aristóteles — ela é inútil. Infelizmente, este documento está repleto de formulações inúteis. Em termos pedagógicos isto é mais do que supérfluo, é prejudicial.
Se verificarmos ainda que as “capacidades transversais” para o 1.º (p. 5), o 2.º (p.22) e o 3.º (p. 35) ciclos são praticamente idênticas, com frases repetidas ipsis verbis em cada ciclo, percebemos que este problema atravessa todo o documento.
6. A SPM alerta para a necessidade de estabelecer metas precisas, verificáveis e bem estruturadas, objectivo que este documento não alcança. E alerta igualmente para o perigo de transformar esta actividade de elaboração de metas, a exemplo do que infelizmente está a acontecer com a aplicação do novo programa de matemática do E.B., num processo de doutrinação pedagógica dos professores para práticas dispersas, baseadas exclusivamente em actividades não estruturadas e sem conteúdos claros. Ou seja, este caminho ameaça que se venha a transformar uma oportunidade de contribuir para a melhoria do ensino da matemática numa ocasião para destruir a implementação de metas.
O Gabinete do Ensino Básico e Secundário
da Sociedade Portuguesa de Matemática
(i) a inexistência de responsabilidades da SPM pelas falhas do documento proposto,
(ii) o repetido e consciente afastamento dos matemáticos portugueses da colaboração nas orientações educativas,
(iii) a origem de algumas das consequentes limitações do documento.
2. O documento em apreciação tem limitações muito graves e não nos parece que possa sequer constituir um elemento de partida para a elaboração de metas, no sentido acima definido e que corresponde, no nosso melhor entendimento, ao cometimento da Senhora Ministra (attainment targets, learning outcomes ou standards).
O documento é vago, demasiado extenso (56 páginas) e pouco claro. Não clarifica metas para o programa (76 páginas), limitando-se a repetir, com insuficiências, o que nele está estabelecido. Confunde metas com processos de ensino e confunde metas cognitivas com atitudes.
Apesar da herança de um diploma orientador lamentável, como o é o Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais, que menospreza o valor do conhecimento e das metas cognitivas, preconizando antes o desenvolvimento de competências práticas, seria certamente possível construir um documento mais bem estruturado, mais coerente e mais útil para escolas, professores e pais.
A propósito desta referência, vale a pena salientar o progressivo afastamento, pelo menos na forma, da orientação do ensino por competências. A SPM tem repetidamente criticado esta orientação desactualizada e ideologicamente marcada, propondo que se fale antes em conhecimentos e capacidades. Curiosamente, a palavra “competências” não aparece uma única vez no documento geral de proposta de metas nem no documento de metas para a Matemática. Começam a ser
separados conhecimentos e listadas expressamente capacidades. É bom que assim seja, embora seja triste termos tido de esperar quase 10 anos para que fosse dada razão, pelo menos na forma, às críticas da SPM. Infelizmente, como em seguida mostramos, essa mudança é apenas de linguagem.
Construir metas razoáveis para o ensino da matemática é uma tarefa facilitada por alguns documentos internacionais de que são exemplo recente os “Common Core Math Standards” norte-americanos. Seria útil consultar, por exemplo, as metas estabelecidas no Reino Unido para o ensino da matemática no equivalente ao Ensino Básico (http://curriculum.qcda.gov.uk). Seria útil também, tal como nos documentos britânicos, estabelecer os níveis de alcance de cada objectivo cognitivo e em diversos anos de escolaridade.
Particularizamos em seguida as nossas principais críticas e sugestões.
3. No preâmbulo, defende-se uma organização em termos e conceitos pedagógicos vagos: “temas matemáticos”, “capacidades transversais” e “eixos fundamentais”. Diz-se que as metas “não substituem o programa” e não se indicam precedências, quando isto seria fundamental para organizar o alcance das metas.
A linguagem é, em geral, pouco precisa. Que quer dizer, por exemplo, que se deseja que o aluno, à entrada do 1.º ciclo (p. 3), “Classifica objectos, fazendo escolhas e explicando as suas decisões”? E como se lhe pode pedir que utilize “diagramas de Venn, quando solicitado”? E que quer dizer “Classifica objectos identificando as suas semelhanças e diferenças”?
Mais grave ainda: que significa “Escuta os colegas e contrapõe as suas ideias”? É esta uma meta matemática? E apenas à entrada do 1.º ciclo? Estes objectivos são tão vagos que são comuns a várias disciplinas e a todos os anos de escolaridade. Na realidade nada se está a estabelecer.
Outro exemplo preocupante é a meta estabelecida na página 6: “Discute ideias matemáticas”. Poderia pensar-se que esta “capacidade transversal” iria ser melhor caracterizada na coluna intitulada “Especificação das Metas”. No entanto, o que aí aparece é apenas “Discute resultados, processos e ideias matemáticos.”
Finalmente, é muito prejudicial que sejam estabelecidas metas correspondentes a níveis cognitivos superiores ignorando a necessidade de atingir níveis mais básicos. Esse tem sido um erro fundamental de orientação educativa. Veja-se, na página 5, as metas “Justifica resultados Matemáticos” e “Formula e testa conjecturas”. Além de serem objectivos vagos (que conjecturas? que grau de justificação?), são objectivos desorganizadores do ensino se não forem claramente precedidos de informação e treino que permita dar significado às justificações e conjecturas. É necessário dar precedência a actividades e objectivos muito mais elementares tais como, por exemplo, comparar, classificar e ordenar.
4. Repetidamente, o documento confunde metas com processos, repisando uma prática pedagógica nefasta que a SPM tem criticado. Veja-se, por exemplo, a página 11: “Constrói, justificando o processo usado e memoriza as tabuadas do 2, 5, 10, 4, 3 e 6.” (sic!).
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5. O documento confunde também metas de aprendizagem concretas com objectivos vagos que têm causado danos, precisamente pelo seu carácter ambíguo e pretensamente ambicioso que conduz a uma desorganização do ensino.
Veja-se, por exemplo, na página 15: “compara e descreve sólidos geométricos, identificando semelhanças e diferenças”. De que sólidos se trata? Que propriedades estão em causa na comparação? Nada disto é dito, fazendo com que este objectivo seja tão aplicável no 1.º ciclo como em todos eles e mesmo em cadeiras de pós-graduação universitárias.
Insuficiências deste tipo abundam. Repare-se, por exemplo, na página 13, “Realiza estimativas de uma dada quantidade”, mas não se explica de que tipo de estimativas se trata e com que regras devem ser obtidas. E na página 16: “Resolve problemas envolvendo propriedades das figuras geométricas no plano e no espaço”. Que tipo de problemas? Que tipo de propriedades?
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Se verificarmos ainda que as “capacidades transversais” para o 1.º (p. 5), o 2.º (p.22) e o 3.º (p. 35) ciclos são praticamente idênticas, com frases repetidas ipsis verbis em cada ciclo, percebemos que este problema atravessa todo o documento.
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13 Comments:
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