CIGANOS - O mundo dos outros
Por José Cutileiro, no Expresso de 25/09
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Foram muitas vezes perseguidos: na Península Ibérica, na Itália, no norte da Europa com menos barbaridade que noutros lugares. Em França em 1912, 1936 e 1938, anos de ansiedade e xenofobia antes das duas grandes guerras mundiais, muitos foram fechados em campos. Na segunda delas Hitler e aliados entusiásticos seus, dos Bálticos aos Balcãs, liquidaram meio milhão.
Bichos de mato com boas razões para não quererem sair do mato animam hoje de novo a cena europeia. Mal tratados na Roménia e na Bulgária, alguns aproveitaram as facilidades legais da União Europeia e rumaram a ocidente para aí viverem melhor. A crise económica cortou-lhes a relva debaixo dos pés. Desemprego e incertezas de futuro exacerbaram anticiganismo antigo e políticos demagógicos aproveitaram-no. O resultado está à vista em França cuja governação é hiperactiva e, mais discreto, também noutros lugares. Um bode expiatório dá sempre jeito. [...]
Não transcrevi todo o artigo.
Diz também que os ciganos nunca são bem vistos. Atribui-se aos homens ciganos um jeito diabólico para os negócios que torna os outros desconfiados.
Vou às memórias da infância - um cigano bateu à porta da casa. O meu avô acabara de entrar e ouviu o homem dizer que trazia para venda excelentes tecidos. Deu entrada ao cigano para a sala e mandou-nos chamar, a mim e aos meus irmãos. Teríamos todos menos de dez anos. Lembro-me que o meu pai e a minha avó também vieram com ar divertido. Pediu então ao homem que explicasse a excelência dos tecidos. E o homem falou, falou, desembrulhou peças com gestos mirabolantes, simulou tentativa de rasgar, desembainhou tesoura para explicar corte, chegou fogo a pontas que não arderam... Terminada a demonstração, discutiram preços e o meu avô escolheu e pagou pelo preço finalmente ajustado uns quantos cortes de tecido. Despediram-se cordialmente, valente aperto de mão, os olhos de ambos risonhos. Nós manifestamos satisfação pelo bom negócio que o avô fizera. Ele então deu-nos a lição. Os tecidos não prestavam, lá se lhes arranjaria algum uso. O bom negócio estava no magnífico espetáculo a que pudéramos assistir.
Ensinou-nos a apreciar os outros e a estabelecermos relações.
Quando ia para a faculdade, no Campo Grande, vinham ciganas a querer ler-me a sina. Algumas vezes deixei que me "lessem a mão", não porque acreditasse no que ouvia mas pela construção do discurso e pelo momento de ligação. Se estava com pressa e nem parava , lá ouvia a praga da ordem que me fazia sorrir. Mas cheguei a ripostar - ó senhora, eu desejei-lhe algum mal? Lá se calavam.
Hoje, no supermercado pedem-me que lhes leia instruções de uso de um qualquer produto ou lhes deslinde uma indicação de preços. E nunca me coibo de lhes chamar a atenção para um mau trato que estejam a dar a um filho pequeno ou para a necessidade de lhes assoarem o nariz e não tenho sido mal tratada por isso.
Ando a remoer: como é que a caraterística de aldrabões/ladrões que é atribuída aos ciganos faz com que sejam rejeitados e escorraçados para a margem e a aldrabice e alta gatunice que constrói tantos dos políticos nossos contemporâneos é premiada com votos e poderes e tantos lhes prestam vassalagem?
Prefiro ir tomar um café com o cigano genuino.
Bichos de mato com boas razões para não quererem sair do mato animam hoje de novo a cena europeia. Mal tratados na Roménia e na Bulgária, alguns aproveitaram as facilidades legais da União Europeia e rumaram a ocidente para aí viverem melhor. A crise económica cortou-lhes a relva debaixo dos pés. Desemprego e incertezas de futuro exacerbaram anticiganismo antigo e políticos demagógicos aproveitaram-no. O resultado está à vista em França cuja governação é hiperactiva e, mais discreto, também noutros lugares. Um bode expiatório dá sempre jeito. [...]
Não transcrevi todo o artigo.
Diz também que os ciganos nunca são bem vistos. Atribui-se aos homens ciganos um jeito diabólico para os negócios que torna os outros desconfiados.
Vou às memórias da infância - um cigano bateu à porta da casa. O meu avô acabara de entrar e ouviu o homem dizer que trazia para venda excelentes tecidos. Deu entrada ao cigano para a sala e mandou-nos chamar, a mim e aos meus irmãos. Teríamos todos menos de dez anos. Lembro-me que o meu pai e a minha avó também vieram com ar divertido. Pediu então ao homem que explicasse a excelência dos tecidos. E o homem falou, falou, desembrulhou peças com gestos mirabolantes, simulou tentativa de rasgar, desembainhou tesoura para explicar corte, chegou fogo a pontas que não arderam... Terminada a demonstração, discutiram preços e o meu avô escolheu e pagou pelo preço finalmente ajustado uns quantos cortes de tecido. Despediram-se cordialmente, valente aperto de mão, os olhos de ambos risonhos. Nós manifestamos satisfação pelo bom negócio que o avô fizera. Ele então deu-nos a lição. Os tecidos não prestavam, lá se lhes arranjaria algum uso. O bom negócio estava no magnífico espetáculo a que pudéramos assistir.
Ensinou-nos a apreciar os outros e a estabelecermos relações.
Quando ia para a faculdade, no Campo Grande, vinham ciganas a querer ler-me a sina. Algumas vezes deixei que me "lessem a mão", não porque acreditasse no que ouvia mas pela construção do discurso e pelo momento de ligação. Se estava com pressa e nem parava , lá ouvia a praga da ordem que me fazia sorrir. Mas cheguei a ripostar - ó senhora, eu desejei-lhe algum mal? Lá se calavam.
Hoje, no supermercado pedem-me que lhes leia instruções de uso de um qualquer produto ou lhes deslinde uma indicação de preços. E nunca me coibo de lhes chamar a atenção para um mau trato que estejam a dar a um filho pequeno ou para a necessidade de lhes assoarem o nariz e não tenho sido mal tratada por isso.
Ando a remoer: como é que a caraterística de aldrabões/ladrões que é atribuída aos ciganos faz com que sejam rejeitados e escorraçados para a margem e a aldrabice e alta gatunice que constrói tantos dos políticos nossos contemporâneos é premiada com votos e poderes e tantos lhes prestam vassalagem?
Prefiro ir tomar um café com o cigano genuino.
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