Anti-racismo
04.08.2008, Rui Tavares, no Público
Nunca tive ilusões sobre isto: a discussão sobre quais são os povos mais ou menos racistas é no mínimo um equívoco, e nos casos extremos tão preconceituosa como o racismo. Franceses e ingleses acusam-se mutuamente de racismo. No Brasil, crê-se que há muito racismo nos EUA, mas evita-se comparar a realidade dos negros em ambos os países. E Portugal, evidentemente, considera-se naturalmente não-racista: seremos talvez uma raça superior a quem falta o gene do preconceito?
Esta discussão pueril esquece duas coisas. A primeira, que o racismo pode andar na cultura e na sociedade, mas cabe ao indivíduo não ser racista. Não é coisa de povos; é responsabilidade de cada um. A segunda, que a coisa não é estática: uma comunidade profundamente racista pode deixar de sê-lo se indivíduos suficientes se forem levantando contra o racismo. Para que isso aconteça, ser não-racista é insuficiente; é mesmo preciso ser anti-racista.
Também nunca tive ilusões sobre outra coisa: em Portugal, a comunidade que é vista com mais preconceito, há mais tempo e de forma mais consistente, é a dos ciganos.
O preconceito anticigano agarra-se a tudo e pode fugir ao controlo. Uma sondagem no Expresso dá os ciganos como a comunidade mais detestada no país. No mesmo jornal, Miguel Sousa Tavares prega um sermão aos líderes da comunidade para que abandonem uma vida de crime e tráfico de droga. E claro: Paulo Portas logo veio sugerir que há um Portugal que trabalha para que os ciganos vivam do rendimento mínimo.
Neste país onde os bancos "arredondaram" os empréstimos à habitação e meteram ao bolso uma média de cinco mil euros por família, os ciganos são ladrões. Neste país onde a Operação Furacão encontrou fraude empresarial de grande escala mas não chegará a lado nenhum, os ciganos é que são os dissimulados. Neste país onde Paulo Portas ainda não explicou quem é o famoso Jacinto Leite Capelo Rego que generosamente deu dinheiro ao seu partido (nem explicou o "caso sobreiros", nem o "caso submarinos", nem o "caso casino"), os ciganos é que são os malandros.
Ainda se vai descobrir que os ciganos é que raptaram Maddie ou atrapalharam as brilhantes investigações policiais. Ainda se vai descobrir que, afinal, os ciganos estão por detrás do escândalo Casa Pia. Ainda se vai descobrir que são os ciganos quem monta as empresas manhosas onde os nossos jovens licenciados trabalham a recibos verdes. Ainda se vai descobrir que os ciganos é que estacionam os nossos carros em cima dos passeios.
Mas, até lá, tenhamos sentido das proporções. Ou então chegaremos ao ponto a que agora chegou a Itália. Em Itália, todos os ciganos e apenas os ciganos (estrangeiros ou italianos, menores ou adultos, meros suspeitos ou completamente inocentes) estão a ser identificados compulsivamente pela polícia, algo que não acontecia na Europa Ocidental desde o nazismo. No outro dia, duas meninas ciganas morreram afogadas numa praia de Nápoles e os seus corpos estiveram ali expostos sem que isso incomodasse os banhistas. A Itália dá-se a este luxo: está agora obcecada com os ciganos, como se de repente os seus políticos fossem incorruptos, já não houvesse italianos mafiosos nem pilhas de lixo para apanhar nas ruas.
Eu estou certo de que os italianos não são racistas; mas pelos vistos faltaram-lhes anti-racistas em número suficiente no momento certo.
Esta discussão pueril esquece duas coisas. A primeira, que o racismo pode andar na cultura e na sociedade, mas cabe ao indivíduo não ser racista. Não é coisa de povos; é responsabilidade de cada um. A segunda, que a coisa não é estática: uma comunidade profundamente racista pode deixar de sê-lo se indivíduos suficientes se forem levantando contra o racismo. Para que isso aconteça, ser não-racista é insuficiente; é mesmo preciso ser anti-racista.
Também nunca tive ilusões sobre outra coisa: em Portugal, a comunidade que é vista com mais preconceito, há mais tempo e de forma mais consistente, é a dos ciganos.
O preconceito anticigano agarra-se a tudo e pode fugir ao controlo. Uma sondagem no Expresso dá os ciganos como a comunidade mais detestada no país. No mesmo jornal, Miguel Sousa Tavares prega um sermão aos líderes da comunidade para que abandonem uma vida de crime e tráfico de droga. E claro: Paulo Portas logo veio sugerir que há um Portugal que trabalha para que os ciganos vivam do rendimento mínimo.
Neste país onde os bancos "arredondaram" os empréstimos à habitação e meteram ao bolso uma média de cinco mil euros por família, os ciganos são ladrões. Neste país onde a Operação Furacão encontrou fraude empresarial de grande escala mas não chegará a lado nenhum, os ciganos é que são os dissimulados. Neste país onde Paulo Portas ainda não explicou quem é o famoso Jacinto Leite Capelo Rego que generosamente deu dinheiro ao seu partido (nem explicou o "caso sobreiros", nem o "caso submarinos", nem o "caso casino"), os ciganos é que são os malandros.
Ainda se vai descobrir que os ciganos é que raptaram Maddie ou atrapalharam as brilhantes investigações policiais. Ainda se vai descobrir que, afinal, os ciganos estão por detrás do escândalo Casa Pia. Ainda se vai descobrir que são os ciganos quem monta as empresas manhosas onde os nossos jovens licenciados trabalham a recibos verdes. Ainda se vai descobrir que os ciganos é que estacionam os nossos carros em cima dos passeios.
Mas, até lá, tenhamos sentido das proporções. Ou então chegaremos ao ponto a que agora chegou a Itália. Em Itália, todos os ciganos e apenas os ciganos (estrangeiros ou italianos, menores ou adultos, meros suspeitos ou completamente inocentes) estão a ser identificados compulsivamente pela polícia, algo que não acontecia na Europa Ocidental desde o nazismo. No outro dia, duas meninas ciganas morreram afogadas numa praia de Nápoles e os seus corpos estiveram ali expostos sem que isso incomodasse os banhistas. A Itália dá-se a este luxo: está agora obcecada com os ciganos, como se de repente os seus políticos fossem incorruptos, já não houvesse italianos mafiosos nem pilhas de lixo para apanhar nas ruas.
Eu estou certo de que os italianos não são racistas; mas pelos vistos faltaram-lhes anti-racistas em número suficiente no momento certo.
3 Comments:
Boa reflexão. Somos todos não-racistas, algun até anti-racismo, mas os ciganos não merecem o estatuto de raça; são uma podridão de Deus são os restos; são a gordura; Pessoalmente, gosto das comunidades à antiga, onde os roubos não estão presentes, a hierarqui tradicional é mantida, mas também com sinais de modernidade, como ir à escola, plano de vacinação, casa como todoso os outros. Não sou multiculturalista. Admito que sou daqueles que não tem nada contra os ciganos e pretos e chineses, mas não deseja conhecê-los e ser amigo deles. Podem viver; podem viver no meu país; podem fazer quase tudo. Mas por favor, não prejudiquem a sociedade! Não roubem! Façam esforços para se integrarem!
Nuno, está difícil de entender o seu ponto de vista.
As ciências demonstraram que na espécie humana não há raças. Temos todos uma mãe comum. A partir de África, os humanos foram-se espalhando pelo planeta. A espécie foi e vai fazendo as necessárias adaptações ao meio envolvente.
O Nuno define-se com não racista mas diz-se não multiculturalista. Não percebo. Claro que há aqui dificuldade nos conceitos. O que é cultura? Diz que nada tem contra os ciganos e pretos e chineses mas que não deseja conhecê-los e ser amigo deles. Olhe, não sabe o que está a perder. Só quer amigos caucasianos? E esses são os perfeitos? Os que não prejudicam a sociedade e os que não roubam? Repare na contradição do seu apelo final "façam esforços para se integrarem". Como? Se à volta está gente que não quer conhecê-los e os recusa para amigos?
Liberte-se desse preconceito e alargue o seu mundo. Vá, releia e medite na mulher que não conhecia a alface. A xenofobia é uma droga!
A setora tem razão quando diz que eles são um povo rico e quando diz que não devo querer só amigos caucasianos. Mas uma pessoa vê tantos roubos. A comunicação social dá tanto enfâse aos roubos praticados pelos não-caucasianos. Quando é um branco pouco dizem, mas quando são os "outros", meu deus, o mundo vai acabar, vamos ser dominados por eles. Não me desculpo com a comunicação social. Reconheço e envergonho-me, mas pelo menos não minto a mim próprio dizendo que sou não racista, e por trás estou a discriminar os outros.
Reconheço que esta sociedade pouco faz para integrar os outros, mas não fomos nós que emigrámos para Portugal; não somos nós que temos casas à renda por 5€ por mês.
Essas pessoas têm de lutar pelos seus direitos; não sou eu que vou fazer isso por elas. Têm de lutar pela igualdade de oportunidades. Têm de dar 200% de si quando os caucasianos só dão 20% para mostrar que valem muito; depois, depois, querida setora; Eu acredito que possamos viver num mundo melhor.
Reconheço e envergonho-me ao saber que posso fazer alguma coisa para mudar, que posso aprender muita coisa com a mulher da alface e não o faço.
E por isso peço desculpa.
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