De pequenino...
No intervalo graande para o almoço espero-os para a segunda aula de PLNM (português língua não materna). Todos atrasados chegam esbaforidos. Mal nos conhecemos ainda mas fica o imediato aviso de que a cena não poderá repetir-se. Numa amálgama de vozes justificam-se com a “contina”- a efetiva falta de funcionários serve agora para cobrir todas as falhas, reais e imaginárias.
"Contina" para cá, "contina" para lá, cortei a conversa e corrigi – diz-se contínua, a palavra é esta – e escrevi-a no quadro. O P. , pequenito de olhos vivaços que arranjara pretextos para quase não estar na primeira aula, não aceitou a correção.
- Ninguém diz assim.
Admiti que nunca tivesse ouvido a forma correta de tal modo circula entre eles a "contina".
-Até a nossa professora diz "contina"!
Aqui duvidei da fidelidade dos seus ouvidos ou da sua capacidade para interpretar ironia na formulação da professora. Aconselhei o dicionário que não tinha ali mas que iríamos de seguida consultar à biblioteca. Coro unânime:
- Está fechada!
Verdade, pois. A biblioteca, com horário de funcionamento previsto entre as 8.30h e as 16.30, está frequentemente fechada à enooorme hora de almoço, três tempos em que tantos poderiam frequenta-la. Entrei com o argumento de autoridade – a minha certeza -, que atenuei avisando que quando tenho dúvidas as torno explícitas e me proponho procurar e informar depois.
- A minha mãe também diz “contina”.
Questão delicada. Provavelmente à mãe nunca ninguém dissera a palavra certa. Tinha ele agora a possibilidade de lha levar e ela gostaria de a aprender…
- Mas eu vou continuar a dizer “contina” como toda a gente.
Afivelo um ar muito sério e avanço curto discurso:
- Se quer ser ou parecer ignorante a opção é sua. O senhor faz as suas escolhas. Eu apenas posso lamentar cá comigo que o senhor queira ser ou parecer ignorante.
Notei uma certa confusão no olhar do P. e parti para o trabalho. Análise suscitada pela “contina” de contínua/continua – sílabas tónicas, acentuação, homografia - e leitura e interpretação de texto. O P., interessado, interveio diversas vezes muito acertadamente. Deu prova de argúcia, capacidade de refletir. Revelou até amadurecimento.
Na sala de professores contei à diretora de turma e professora de português o divertido embate. Contou-me ela o modo dramático como aqui há uns dois ou três anos morreram o irmão mais novo e, pouco depois, o pai do P.
Na aula seguinte, enquanto as colegas esperavam o meu apoio para o trabalho da aula curricular de português, o P. e um outro rapazinho tinham já todo o trabalho feito e bem feito.
Duas semanas depois o P. faltou à aula de PLNM. Inquiri. Tinha sido suspenso. Um bate-papo com uma professora que lhe escrevia repreensão na caderneta. Dez anos é idade ideal para aprender a submissão, aprender a não ter opinião, a não retorquir. De pequenino se torce o pepino, raio de provérbio!
Voltou inquieto com rebeldia estampada no olhar. Uma tarefa nova em torno do Ulisses agarrou-o.
Estas suspensões deixam-me abananada. Desejo mesmo que o P. não opte por ser ou parecer ignorante!
"Contina" para cá, "contina" para lá, cortei a conversa e corrigi – diz-se contínua, a palavra é esta – e escrevi-a no quadro. O P. , pequenito de olhos vivaços que arranjara pretextos para quase não estar na primeira aula, não aceitou a correção.
- Ninguém diz assim.
Admiti que nunca tivesse ouvido a forma correta de tal modo circula entre eles a "contina".
-Até a nossa professora diz "contina"!
Aqui duvidei da fidelidade dos seus ouvidos ou da sua capacidade para interpretar ironia na formulação da professora. Aconselhei o dicionário que não tinha ali mas que iríamos de seguida consultar à biblioteca. Coro unânime:
- Está fechada!
Verdade, pois. A biblioteca, com horário de funcionamento previsto entre as 8.30h e as 16.30, está frequentemente fechada à enooorme hora de almoço, três tempos em que tantos poderiam frequenta-la. Entrei com o argumento de autoridade – a minha certeza -, que atenuei avisando que quando tenho dúvidas as torno explícitas e me proponho procurar e informar depois.
- A minha mãe também diz “contina”.
Questão delicada. Provavelmente à mãe nunca ninguém dissera a palavra certa. Tinha ele agora a possibilidade de lha levar e ela gostaria de a aprender…
- Mas eu vou continuar a dizer “contina” como toda a gente.
Afivelo um ar muito sério e avanço curto discurso:
- Se quer ser ou parecer ignorante a opção é sua. O senhor faz as suas escolhas. Eu apenas posso lamentar cá comigo que o senhor queira ser ou parecer ignorante.
Notei uma certa confusão no olhar do P. e parti para o trabalho. Análise suscitada pela “contina” de contínua/continua – sílabas tónicas, acentuação, homografia - e leitura e interpretação de texto. O P., interessado, interveio diversas vezes muito acertadamente. Deu prova de argúcia, capacidade de refletir. Revelou até amadurecimento.
Na sala de professores contei à diretora de turma e professora de português o divertido embate. Contou-me ela o modo dramático como aqui há uns dois ou três anos morreram o irmão mais novo e, pouco depois, o pai do P.
Na aula seguinte, enquanto as colegas esperavam o meu apoio para o trabalho da aula curricular de português, o P. e um outro rapazinho tinham já todo o trabalho feito e bem feito.
Duas semanas depois o P. faltou à aula de PLNM. Inquiri. Tinha sido suspenso. Um bate-papo com uma professora que lhe escrevia repreensão na caderneta. Dez anos é idade ideal para aprender a submissão, aprender a não ter opinião, a não retorquir. De pequenino se torce o pepino, raio de provérbio!
Voltou inquieto com rebeldia estampada no olhar. Uma tarefa nova em torno do Ulisses agarrou-o.
Estas suspensões deixam-me abananada. Desejo mesmo que o P. não opte por ser ou parecer ignorante!
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home