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M. Eugénia Prata Pinheiro

quarta-feira, setembro 19, 2007

Coincidências

A partir de hoje apenas escreverei ficção. Se se encontrar semelhanças entre o que escrevo e a realidade será por mera coincidência.

Haverá personagens por aqui. Ministros, secretários, presidentes disto e daquilo, coordenadores daqueloutro, professores, alunos, pais, funcionários... e até um eu ficcionado a meu gosto. O real (ou virtual?) prazer de ser autora.

Cá vamos.

Neste mundo outro a minha escola é daquelas que têm pavilhões provisórios há mais de 20 anos espalhados por três áreas do terreno. Chamamos-lhes Madeira, Açores e Berlenga. A Madeira e os Açores têm tipologia semelhante. Disposição das salas em u, um pátio interior que termina no portão, o único acesso àquela reserva. Exterior em madeira, cobertura em fibrocimento, pseudónimo para o amiantocimento. Janelas e bandeiras com vidros já terão tido. E possivelmente basculavam para que o ar circulasse e se renovasse. Agora o plástico, o tabopan, o cartão substituem os agressivos vidros e quase todas estão pregadas. Deixaram de ser janelas e bandeiras. Não inspirariam o Gedeão. No interior, a luz sempre acesa reflecte-se nos quadros sebosos. No chão cimentado jazem uns resquícios de revestimento, uns quadrados soltos de linóleo ou oleado.

Neste ano lectivo, trabalho sempre nestas ilhas. Com curiosidades suplementares: os famigerados blocos de noventa minutos de aulas distribuem-se pelas duas ilhas principais que distam uns valentes metros uma da outra, obrigando a contornar a Berlenga (tira de três salas semeada no terreno com as mesmas características estruturais). Assim, os primeiros 45 minutos são na Madeira com uma turma e os últimos nos Açores com outra turma. Os colegas garantem que um catamarã ultra-rápido está disponível para a travessia mas ainda não logrei apanhá-lo. Nem vê-lo. Os 45 minutos desta última aula lá ficam ratados pelo trajecto. Mantenho ainda, juro, alguma agilidade e, de há três anos para cá, transporto a minha mobília (livros, cadernos, dicionários, prontuários, fichas...) numa pasta grande com funcionais rodas - o meu Bobi. Ainda assim, nestas andanças, lá vão uns minutos de aula.

Já que apresentei o Bobi, digo também das minhas mal fundadas esperanças - pensei que dando vida ao Bobi, incitando-o anda Bobi, advertindo-o cuidado Bobi, olha o degrau, admoestando-o malvado Bobi que atropelaste o Pedro, travando com os alunos interessantes diálogos - então, setora, o Bobi está bom? - nem por isso, apanhou chuva e constipou-se! ou - anda cansadote! ou - hoje vem contente com carga aliviada! ganhava um passaporte directo para a ambicionada reforma. Embora goste muito do que faço, estou farta de gastar paciência com a tutela e aqueles senhores das juntas médicas, por proposta directa da hierarquia, poderiam passar-me pelo menos uma baixa prolongada. Há tantos que por nada gozam dela!

Talvez a hierarquia se inspire neste texto e agarre a ideia para se livrar de mim, já que os processozitos disciplinares emperram um bocado.

Oh, diabo, neste mundo outro estou a criar juntas médicas eficientes ao serviço de hierarquias safardanas. Muito pode a imaginação!

Teria outra vantagem imediata - eu que ainda não percebi de que é que sou titular, ficaria titular da baixa prolongada.

Mas, até agora, o meu Bobi só tem servido para agilizar percursos e tornar próximo o conceito de personificação.

Hoje páro por aqui. Como as escolas do nosso mundo real têm excelentes condições, cansou-me este exercício de ficcionar pavilhões escolares insalubres neste meu mundo outro. Precisei de pensar muito, foi muita construção.