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M. Eugénia Prata Pinheiro

domingo, junho 03, 2007

Os erros e os anões, as provas e as aflições

6. A mai da Ana non aquerdita em criaturas da fatazia pk so aquerdita nu k vê e nunca viu o meu avô k era anon i me cota-va estorias i afinau era uma criatura fatástica. Eu até sou pekenino cumo el. Á anõis e anõis!

Nas provas fantásticas do 4º ano que eu classifiquei apareceu esta magnífica resposta. Há erros e erros!

Lembro-me do Ricardo, aquele aluno sobredotado que mal conseguia ler em voz alta e, de esguelha, num ápice, percebia os textos e era capaz de dissertar sobre eles. Da escrita chegara-me com umas noções vagas, bem pior do que no exemplo acima. Mas entendia-se com as palavras. Desmontava-as, remontava-as, buscava sentidos e brincava com elas e comigo. Discurso directo/indirecto, activa/passiva, nada tinha dificuldades. Excelente conversador e desconversador. Magnífico na matemática. Ainda a professora não terminara a explicação de uma matéria, já ele compreendera e ajudava a que os outros compreendessem passando a aplicações imediatas. E tinha na aula de matemática o estatuto de "professor auxiliar", única forma de aguentar colaborante o tempo de aprendizagem dos outros. Embora alguns professores nunca o tivessem visto, não por falta dele mas porque não tinham olhos, lá fez com êxito o 2º ciclo. Depois retiveram-no e retiveram-no e entretiveram-no, entretiveram-no em unidades capitalizáveis. É sempre preciso arranjar clientes para estes projectos.

Lembro-me do Hélio, 14 anos, escolaridade vagabunda resultante de nomadismo. Integrado numa turma com projecto danado, sem pés nem cabeça. Carregava o rótulo de atraso mental que lhe foi retirado no final da primeira semana de aulas. Leitura e escrita ainda hesitantes mas fascinado pelo mundo. Disse-lhes no início do ano que à segunda-feira, à hora de almoço, estaria na biblioteca disponível para trabalhar com eles. O Hélio apareceu-me todas as segundas-feiras, sem uma falha. Estudávamos tudo e íamos avançando.

Este ano é a Susana. A mais culta da turma, com vocabulário largo, inferências imediatas, argumentos prontos e desastrosa escrita. Esta diz que nunca lhe explicaram que devia querer escrever sem erros. Os tabefes que apanhou no 1º ciclo visavam mantê-la sentada. Vida complicada que, aos 10 anos, traz pesadelos e sabedoria. Está agora preocupada com a escrita escorreita e eu preocupada não vá essa, agora sua, preocupação tornar-se excessiva e castrar-lhe a cabeça e o texto.

Ainda há o Kalalory. Um angioma no pescoço, tumor de razoável dimensão e ainda não operável, alvo da chacota quase universal, conduziu-o para a margem. Os berlindes e as brigas ocuparam-lhe o tempo. Voltou há pouco a aparecer nas aulas. Dia de texto escrito. Pus-lhe a folha e a caneta diante do nariz. Encheu as duas páginas. O trabalho mais conseguido da turma. Não sei se alguma vez fará prova de aferição.

Quando abri este blog, esforcei-me por semear umas falhas ortográficas pelos textos. Em troca de comentários já lá muito para trás - post Habilitações de 11 de Dezembro -, defendi a minha forma de encarar este assunto. A escrita é uma roupagem da língua. Não é a língua. E quem escreve com erros ortográficos não pode sentir-se interditado para a escrita. Foi por acção do meu filho mais novo que me vi obrigada a refectir sobre isto. Teve uma excelente professora nos quatro anos do 1º ciclo. Não dava erros mas divertia-se com eles em todos os recados que deixava para a família. Assinava sempre (ainda hoje assina) filho purdígio.

Escreve-se com erros por razões diversas.

Há as fracas iniciações à escrita. Aqui há, sem dúvida, mau trabalho dos professores do 1º ciclo.

Mau trabalho porque o professor não sabe fazê-lo, está mal preparado para a tarefa ou não acha importante dedicar-se-lhe.

Mau trabalho porque o professor tem a seu cargo um número excessivo de alunos, às vezes de anos de escolaridade diferentes, o que o impede de avançar bem com todos.

Mau trabalho porque, por aquela turma de 1º ano, passaram dois ou três professores, cena que se repetiu nos anos seguintes.

Há as disgrafias de que algumas pessoas são portadoras e que lhes limitam esta competência. E se antes da massificação da escolaridade este problema se colocava de modo esporádico, agora tem mais elevada frequência.

Se os alunos chegam ao 2º ciclo com dificuldades na escrita das palavras, o peso da correcção ortográfica não pode dominar o trabalho dos professores. Há uns anos, abordei no início do ano lectivo um jovem desconhecido na sala dos professores. Disse-me que era de Educação Musical, tinha acabado a sua licenciatura com estágio incluído. Comecei a teorizar sobre a importância da sua disciplina e ele explicou-me que pouco iria fazer nesse campo. Abriria a lição, escreveria o sumário e teria depois de andar de mesa em mesa, caderno a caderno, a verificar a correcção da cópia que os alunos teriam feito do quadro. Isso ocupar-lhe-ia quase todo o tempo da aula. Fiquei aterrada e tentei anular esta visão do que lhe competia.

Os professores não podem transformar-se em meros caçadores de erros ortográficos.

Compete na verdade aos professores de todas as disciplinas trabalhar as palavras. Desmontar os termos específicos das suas matérias, fazê-los utilizar em contextos diversificados e, sobretudo, no oral. Isso conduzirá a que os alunos os apreendam e os venham a dominar, organizem as ideias, a fala e, consequentemente, a escrita. A estreita preocupação com a ortografia liquida este trabalho prévio e impede avanços e aprendizagens.

Referindo-se ao facto de na primeira parte das provas de aferição de língua portuguesa os erros não descontarem, ouvi, no seu sermão dominical, o professor Marcelo dizer por isso é que os alunos chegam como chegam às universidades. Sem dúvida para rir, uma introdução aos Gatos Fedorentos que lhe sucedem no horário. Se não estivéssemos em comunicação unívoca perguntar-lhe-ia como saem os alunos da sua faculdade. E o meu problema com os licenciados da sua faculdade passa bem longe da ortografia. Desmontei, num texto lá para trás - post MJ e ME - Olha que dois! de 16 de Janeiro -, uns artigos de um decreto-lei que não peca por falhas ortográficas. São outros os pecados.

Claro que a construção daquelas provas de aferição dá azo a comentários destes. Nenhum destes comentadores analisou as provas duma ponta à outra e as cotações atribuídas. Se o tivessem feito, as observações seriam de outro teor. E estou para ver como introduz agora a senhora ministra os descontos para as falhas na escrita na primeira parte da prova. Julgo que irá dar para rir, mas rir faz bem.

PS - Os nomes dos alunos são pseudónimos embora eles não sejam pseudopessoas.




7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabéns pelo excelente texto! De facto é de lamentar a obsessão que se generalizou nos media, e não só,(este aspecto talvez mais grave) em relação aos erros ortográficos nas provas de aferição. De repente todos passaram a entendidos em matéria de avaliação de competências, quando não mesmo em matéria de ensino de leitura e escrita! Apetece-me lembrar que em exames nacionais de língua estrangeira, há mais de uma década que a secção que pretende testar a compreensão escrita e mesmo vocabulário, inclui questões que exigem pouca produção escrita por parte dos alunos, e os respectivos critérios referem habitualmente que os erros ortográficos nessa secção são considerados irrelevantes. Enfim, levemos as coisas com humor! O comentários de MRS só mesmo para rir!

10:46 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Torturas na escola sofremos quase todos (quase...) e as muitas que foste relatando em casa já me deram algum traquejo para ficar menos impressionado, mas o angioma do "kalalory", que ainda não é operável, há-de ser um dia, é?

5:09 da tarde  
Blogger Setora said...

Caro/a AP,

Que bem me fez o seu comentário!
Acho bem que não nos deixemos enredar.
Eu, que gosto de ir pensando nas coisas, que não me importo de mudar de agulha se perceber que caminho em direcção ao beco, neste assunto, por enquanto, vou por aqui.
Este meu outro filho que comenta o texto (que curiosamente deixou de lado o problema dos erros e se incomodou com o tumor do Kalalory)chamou-me, em comentário ao texto "Triste Campanha" de 7 de Fevereiro, "fiscalzeca de vogais trocadas e outras menoridades ortográficas". Fez bem, aprendi mais.

Naturalmente que nos esforçamos para que os alunos ganhem uma escrita escorreita. Mas é uma batalha discreta que, de muitas formas, em cada dia, vamos travando.

5:39 da tarde  
Blogger Setora said...

Olá Zé Fernando,

Segundo a família, nesta fase de crescimento, o tumor não é operável.Terão tido a informação de que mais tarde será.

O importante é que ele aprenda a viver com ele, sem se deixar amachucar. Talvez esteja agora a conseguir isso.

Abraço
mãe

5:48 da tarde  
Blogger Ed said...

Bom... comentando a parte mais importante do texto, tenho a dizer que o teu filho prodigioso assina como Filho Purdíjio. É importante a utilização do "j", não sei porquê, mas olha, fica bem, e está mais certo, eh eh!

Também no ME é importante a utilização do "j", porque já vimos que com o resto da palavra (uízo) eles não vão lá.

Beijinhos

Filho Purdíjio

11:10 da manhã  
Blogger António Chaves Ferrão said...

A propósito de erros ortográficos tive uma experiência muito curiosa ultimamente.
O texto que me surpreendeu está aqui.
É um texto intempestivo, o autor fez o que foi necessário para captar o momento. Levado pelo ritmo da escrita, nem reparei nos erros.
Excelente artigo. Gostei especialmente desta síntese:
...A escrita é uma roupagem da língua. Não é a língua. E quem escreve com erros ortográficos não pode sentir-se interditado para a escrita.
Parabéns pelo blog em geral.

PS: ontem menti. Fiz a primeira e segunda classe numa escola alemã. Ali nunca me tocaram com um dedo, nem a qualquer dos meus colegas. Mas os castigos (sacrifício do recreio) eram levados muito a sério. Quando entrei para a escola portuguesa na terceira classe, logo no primeiro dia o ditado tinha 23 palavras e fiz vinte erros, a que corresponderam umas saborosas 60 reguadas. Percebi logo o significado da menina dos cinco olhinhos, além do dinamismo da pedagogia activa da escola portuguesa.

9:43 da manhã  
Blogger saltapocinhas said...

nos próximos tempos não quero ouvir falar nem de anas nem de anões.
se tivesse que contar e contabilizar os erros ortográficos na prova toda, ainda devia estar às voltas com eles por esta hora.
Eu dou muita importancia à escrita correcta, chego até a ser chata.
Mas não consigo que todos os alunos escrevam sem erros. uma das minhas melhores alunas deste ano dá erros...e não sei que lhe fazer!

6:16 da tarde  

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