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M. Eugénia Prata Pinheiro

terça-feira, outubro 12, 2010

Ah, ah, ah, ah

Governo proíbe "juridiquês" nas leis a partir de 2012

Por Nuno Sá Lourenço, no "Público"



O "juridiquês" tem os dias contados no Diário da República. Foi ontem publicado o Regimento do Conselho de Ministros que aprova as regras de legística de actos normativos. O que, traduzido para português corrente, corresponde a indicações para tornar as leis entendíveis para o cidadão comum. Mas as novas regras de bom português legislativo só entram em vigor no início de 2012. E não há sanções para quem não as cumprir.

Inspirado no Programa de Simplificação Legislativa, o novo Regimento estipula que as leis do Governo devem passar a usar frases "simples, claras e concisas", com um "nível de língua" que deve "corresponder ao português não marcado produzido pelos falantes escolarizados, designado português padrão". As "redacções excessivamente vagas" ficam também interditas.

Para tal, "as regras devem ser enunciadas na voz activa e de forma afirmativa, evitando-se a dupla negativa". Estrangeirismos ficam também de fora, sendo apenas admissível "quando não exista termo correspondente na língua portuguesa". A linguagem não discriminatória passa a ser também uma preocupação: "Deve neutralizar-se ou minimizar-se a especificação do género através do emprego de formas inclusivas ou neutras."

O documento não esquece os mais ínfimos pormenores. O tempo verbal a empregar fica definido: o presente passa a ter prioridade. O ponto e a vírgula ficam limitados "à conclusão do texto de alíneas não finais". E "os dois pontos devem apenas ser utilizados para enunciar números ou alíneas que se seguem ao texto do proémio [preâmbulo da lei]", deixando de poder ser utilizados "para anteceder um esclarecimento ou definição". Gasta-se um artigo a precisar quando deve ser utilizada a maiúscula, outro na aplicação de abreviaturas e ainda mais um acerca de siglas e acrónimos.

O novo Regimento faz parte de um conjunto de medidas que pretende simplificar o processo normativo. Durante este ano, o Governo vai revogar 433 decretos caídos em desuso. Daqui a um ano, prevê-se que estejam disponíveis resumos dos diplomas "em linguagem clara e acessível".

São também aprimorados os métodos de avaliação de impacto prévio e sucessivo dos decretos. Os ministérios têm de justificar o mérito e utilidade dos actos normativos, que depois serão "analisados" pelo secretário de Estado da Presidência e pelo responsável pela modernização administrativa. O Governo prevê ainda avançar com a desmaterialização total do processo, apostando no suporte electrónico já em 2011, e criar "manuais de instruções" que expliquem como aplicar a lei e "retirar dela as suas vantagens".


Quando estão a arrumar as botas, aprovam medidas deste teor. Passaram quase dois mandatos a produzir lixo legislativo. Dei por aqui nota de alguns textos recreativos. Significativa a ideia de que tais medidas vigorem a partir de 2012. Durante 2011 manter-se-á a útil obscuridade.

Mas é bastante curiosa a intenção de criar "manuais de instruções" que expliquem como aplicar a lei e "retirar dela as suas vantagens". Para os burocratas instalados no Ministério da Educação, gabinetes de direções - DGRHE, DREs, agrupamentos, escolas, tal manual é desnecessário já que estão instruídos. Por exemplo, numa alínea que começa por "Até 2012" todos os mangas de alpaca lêem "Em 2012". A culpa não foi dos professores que não lhes fizeram entender estas simples preposições. É mesmo a arte de retirar "vantagens" da lei.