Provas de aferição - aferir o quê?
Fui convocada para aquela estranha função de aplicadora.
Éramos às dezenas na reunião "explicativa". Julgo que estavam convocados cerca de 150 professores. Destes, um grande número entrara na escola por volta da 8 da manhã e ia sair da escola por volta das 8 da noite. E o sentimento de que alguém estava brincando com a gente era generalizado. Ainda que alguns possam ter feito os seus cursos em universidades mais ou menos independentes, o facto é que, ao que me parece andando lá pelo terreno, todos sabem ler e são capazes de compreender as instruções.
Nos gabinetes ministeriais duvida-se que estas competências estejam adquiridas e impõem-se duas reuniões para esclarecimento do manual. Alguns, porque são directores de turma ou professores do quarto ano ou de português ou matemática do sexto, levaram mais uma reunião de bonus. É obra.
Desconfio que o efeito é exactamente contrário ao pretendido. Ao fim de dez horas de permanência na escola ninguém está já com grande disponibilidade para apreciar devidamente o show. Cai tudo em saco roto. Teria sido muito mais eficaz distribuir o manual aos aplicadores para que o lessem e, enfim, numa única reunião tratar das dúvidas que surgissem e pôr os pontos nos is. Numa altura do ano em que há muito trabalho para fazer com e para os alunos, esta sobrecarga de reuniões traduz-se num intenso desgaste deixando toda a gente sem vontade de pegar no dito manual que entretanto ainda nem nos chegou às mãos.
Claro que está acessível na net e, para os que já arranjaram disponibilidade de tempo para aceder ao texto, a surpresa impôs-se. Passo à frente o detalhe nas instruções e a macaquice do texto para leitura obrigatória e em uníssono por essas escolas fora porque admito os objectivos. Pretende-se com tudo isto criar condições idênticas na aplicação das provas para que a aferição resulte. Tudo aceitável no que toca ao "durante a prova". Ridículo o final. Que quando tudo já acabou eu ainda tenha de estar em "modo de leitura" e tenha de ler Podem sair. Obrigado/a pela vossa colaboração, só esta visão antecipada da cena leva-me às lágrimas. Mas rir faz bem e até já estou a treinar um sotaque adequado a esta despedida.
O verdadeiramente triste nisto tudo é sujeitar os alunos, crianças na sua maioria entre os 9 e os 12 anos, a uma violência requintada - com a papelada toda à frente, na primeira parte não podem mexer para diante do "pára aqui" e na segunda parte não podem mexer para trás, no que realizaram na primeira parte. Vão dizer-me que não querem entregar duas partes separadas para que não se corra o risco de confusões, perdas ou desvios que impeçam a correcta correcção. Não me convencem e obrigam-me a cumprir um papel absolutamente anti-pedagógico. Não percebo como os pais não se opõem a esta brincadeira de mau gosto. Se eu tivesse um filho nestes anos de escolaridade evitaria que ele participasse nisto, ia de férias para casa de uma avó ou tia distante. É natural que um aluno cuidadoso saia da primeira parte da prova preocupado com qualquer resposta que deu ou nem deu, durante o intervalo encontre até sozinho a solução para o que resolveu mal ou nem resolveu e, entrando para a segunda parte, sofra estupidamente porque não pode andar para trás. Tântalo desnecessário, deformador, obsceno. Uma prova de cinquenta ou sessenta minutos bem construída seria mais que suficiente para aferir competências adquiridas, capacidades desenvolvidas.
Na tal reunião explicativa pedi a justificação pedagógica para este destempero. Não competia ao secretariado local das provas. Fiquei na mesma.
A única questão que merecia análise não cabia ali.
Que será afinal que se quer aferir? O conformismo, a capacidade de sofrimento? Quer treinar-se a obediência cega a regras não entendíveis?
Venderei a alma ao fazer de fiscalzeca do folhear para a frente e, sobretudo, para trás.
Fica lavrado o meu protesto veemente.
Éramos às dezenas na reunião "explicativa". Julgo que estavam convocados cerca de 150 professores. Destes, um grande número entrara na escola por volta da 8 da manhã e ia sair da escola por volta das 8 da noite. E o sentimento de que alguém estava brincando com a gente era generalizado. Ainda que alguns possam ter feito os seus cursos em universidades mais ou menos independentes, o facto é que, ao que me parece andando lá pelo terreno, todos sabem ler e são capazes de compreender as instruções.
Nos gabinetes ministeriais duvida-se que estas competências estejam adquiridas e impõem-se duas reuniões para esclarecimento do manual. Alguns, porque são directores de turma ou professores do quarto ano ou de português ou matemática do sexto, levaram mais uma reunião de bonus. É obra.
Desconfio que o efeito é exactamente contrário ao pretendido. Ao fim de dez horas de permanência na escola ninguém está já com grande disponibilidade para apreciar devidamente o show. Cai tudo em saco roto. Teria sido muito mais eficaz distribuir o manual aos aplicadores para que o lessem e, enfim, numa única reunião tratar das dúvidas que surgissem e pôr os pontos nos is. Numa altura do ano em que há muito trabalho para fazer com e para os alunos, esta sobrecarga de reuniões traduz-se num intenso desgaste deixando toda a gente sem vontade de pegar no dito manual que entretanto ainda nem nos chegou às mãos.
Claro que está acessível na net e, para os que já arranjaram disponibilidade de tempo para aceder ao texto, a surpresa impôs-se. Passo à frente o detalhe nas instruções e a macaquice do texto para leitura obrigatória e em uníssono por essas escolas fora porque admito os objectivos. Pretende-se com tudo isto criar condições idênticas na aplicação das provas para que a aferição resulte. Tudo aceitável no que toca ao "durante a prova". Ridículo o final. Que quando tudo já acabou eu ainda tenha de estar em "modo de leitura" e tenha de ler Podem sair. Obrigado/a pela vossa colaboração, só esta visão antecipada da cena leva-me às lágrimas. Mas rir faz bem e até já estou a treinar um sotaque adequado a esta despedida.
O verdadeiramente triste nisto tudo é sujeitar os alunos, crianças na sua maioria entre os 9 e os 12 anos, a uma violência requintada - com a papelada toda à frente, na primeira parte não podem mexer para diante do "pára aqui" e na segunda parte não podem mexer para trás, no que realizaram na primeira parte. Vão dizer-me que não querem entregar duas partes separadas para que não se corra o risco de confusões, perdas ou desvios que impeçam a correcta correcção. Não me convencem e obrigam-me a cumprir um papel absolutamente anti-pedagógico. Não percebo como os pais não se opõem a esta brincadeira de mau gosto. Se eu tivesse um filho nestes anos de escolaridade evitaria que ele participasse nisto, ia de férias para casa de uma avó ou tia distante. É natural que um aluno cuidadoso saia da primeira parte da prova preocupado com qualquer resposta que deu ou nem deu, durante o intervalo encontre até sozinho a solução para o que resolveu mal ou nem resolveu e, entrando para a segunda parte, sofra estupidamente porque não pode andar para trás. Tântalo desnecessário, deformador, obsceno. Uma prova de cinquenta ou sessenta minutos bem construída seria mais que suficiente para aferir competências adquiridas, capacidades desenvolvidas.
Na tal reunião explicativa pedi a justificação pedagógica para este destempero. Não competia ao secretariado local das provas. Fiquei na mesma.
A única questão que merecia análise não cabia ali.
Que será afinal que se quer aferir? O conformismo, a capacidade de sofrimento? Quer treinar-se a obediência cega a regras não entendíveis?
Venderei a alma ao fazer de fiscalzeca do folhear para a frente e, sobretudo, para trás.
Fica lavrado o meu protesto veemente.
1 Comments:
Mais um crime do ME.
Isto é mesmo uma palhaçada.
Mais do que gozar com os professores, agora até as crianças sofrem.
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