Ranking e ranger de dentes
Rico dia para aparecer por aí o ranking das escolas a partir dos exames realizados nas escolas secundárias. Não bastava a telha com que saíra da escola depois de mal ter conseguido realizar um quinto do que planeara para as aulas, ainda vim verificar que a escola secundária que enquadra os alunos que saem da minha 2.3. se encontra nas últimas quinze. É mesmo a última do distrito de Lisboa. Brilhante. Brilhante futuro espera estes jovens maltratados.
Recusando-me a trabalhar na sala destinada a uma das minhas turmas que de momento não oferece quaisquer garantias de segurança - do exterior é possível derrubar um armário que se encontra na sala e atiram-se lá para dentro pedras de dez ou mais centímetros de diâmetro -, tratei atempadamente de descobrir uma sala de substituição. Com a colaboração dos funcionários descobri uma e informei os alunos da deslocação ainda antes do intervalo que antecedia a aula. Tudo preparado para que a aula se iniciasse nas melhores condições. Nas melhores condições dentro do que por ali é possível - por esta sala o ar também não circula, o quadro quase não permite leitura, as mesas onde estão dois a dois são à conta não permitindo isolamentos profilácticos...
Mais uma vez uns quantos chegaram atrasados - é a enorme fila para as senhas para o almoço do dia seguinte, é a casa de banho, é uma qualquer outra esfarrapada justificação. Depois são os malfadados dossiers que, comprados no início do ano lectivo, têm já os ganchos desarticulados. Para corrigir a deformação estes engenhocas aplicam fita cola. Depois, claro, as folhas não correm, é impossível manuseá-las, é impossível escrever. Lá arranjo pressurosa uma tesoura para corrigir a anomalia e abrir o espaço língua portuguesa. Naturalmente que estas manobras geram a confusão. E são 28 alunos, a terça parte dos quais com dificuldade em concentrar-se numa tarefa. Alguns profissionalizados já em "desestabilização", cumprindo a segunda ou terceira retenção no quinto ano. Está muito calor, não se respira aqui dentro, até cheira mal, não consigo ver nada do que está para aí a escrever, deixe-me ir para ao pé do X que daqui não vejo, propostas variadas e brincadeiras alternativas. A escrita é esforço excessivo para alguns. Duas linhas e chega, arrumam o caderno. E a dificuldade em controlar isto quando mal consigo circular entre eles.
O texto tinha pano para mangas. A adaptação a uma nova escola, a xenofobia, a briga no pátio, vocabulário a explorar, nomes próprios, apelidos, alcunhas, diminutivos, adjectivos antónimos, os tipos da frase, o discurso directo... quase não tratei de nada!
Depois ouço a ministra prestando declarações sobre o ranking que não lhe agrada, defendendo muito hipocritamente que a escola deve a todos integrar e a todos ensinar (sic). Senti-me gozada, parte de um imenso logro, personagem de uma enorme anedota. Pior ainda quando, pelo que até agora pude perceber, qualquer daqueles alunos tem capacidade para aprender. Mas assim não.
Curiosamente, não muito longe da minha escola há uma zona endinheirada da cidade. Aí a escola é nova, com excelentes condições. Os alunos chegam ao quinto ano com nove ou dez anos, as turmas têm vinte e dois ou vinte e quatro alunos e julgo que todos sabem ler, escrever e calcular com razoável desenvoltura, o que pude deduzir pelos resultados das suas provas de aferição. A net proporciona estas descobertas. Quando reclamei estabelecendo o escabroso paralelo, explicaram-me que essa escola é um Território Educativo de Intervenção Prioritária, isto é, integra aquele programa TEIP que visa promover o sucesso educativo dos alunos integrados em meios particularmente desfavorecidos que se encontram em situações de risco de exclusão social e escolar.
A todos integrar e a todos ensinar mas a uns muito mais do que a outros.
E há prioridades, que diabo! Esta escola que refiro, no ranking pelos exames do 9º ano, está no septuagésimo lugar. Terá que avançar para as dez ou vinte primeiras. Há que criar-lhe as condições, pois.
Fiquei a ranger os dentes.
Recusando-me a trabalhar na sala destinada a uma das minhas turmas que de momento não oferece quaisquer garantias de segurança - do exterior é possível derrubar um armário que se encontra na sala e atiram-se lá para dentro pedras de dez ou mais centímetros de diâmetro -, tratei atempadamente de descobrir uma sala de substituição. Com a colaboração dos funcionários descobri uma e informei os alunos da deslocação ainda antes do intervalo que antecedia a aula. Tudo preparado para que a aula se iniciasse nas melhores condições. Nas melhores condições dentro do que por ali é possível - por esta sala o ar também não circula, o quadro quase não permite leitura, as mesas onde estão dois a dois são à conta não permitindo isolamentos profilácticos...
Mais uma vez uns quantos chegaram atrasados - é a enorme fila para as senhas para o almoço do dia seguinte, é a casa de banho, é uma qualquer outra esfarrapada justificação. Depois são os malfadados dossiers que, comprados no início do ano lectivo, têm já os ganchos desarticulados. Para corrigir a deformação estes engenhocas aplicam fita cola. Depois, claro, as folhas não correm, é impossível manuseá-las, é impossível escrever. Lá arranjo pressurosa uma tesoura para corrigir a anomalia e abrir o espaço língua portuguesa. Naturalmente que estas manobras geram a confusão. E são 28 alunos, a terça parte dos quais com dificuldade em concentrar-se numa tarefa. Alguns profissionalizados já em "desestabilização", cumprindo a segunda ou terceira retenção no quinto ano. Está muito calor, não se respira aqui dentro, até cheira mal, não consigo ver nada do que está para aí a escrever, deixe-me ir para ao pé do X que daqui não vejo, propostas variadas e brincadeiras alternativas. A escrita é esforço excessivo para alguns. Duas linhas e chega, arrumam o caderno. E a dificuldade em controlar isto quando mal consigo circular entre eles.
O texto tinha pano para mangas. A adaptação a uma nova escola, a xenofobia, a briga no pátio, vocabulário a explorar, nomes próprios, apelidos, alcunhas, diminutivos, adjectivos antónimos, os tipos da frase, o discurso directo... quase não tratei de nada!
Depois ouço a ministra prestando declarações sobre o ranking que não lhe agrada, defendendo muito hipocritamente que a escola deve a todos integrar e a todos ensinar (sic). Senti-me gozada, parte de um imenso logro, personagem de uma enorme anedota. Pior ainda quando, pelo que até agora pude perceber, qualquer daqueles alunos tem capacidade para aprender. Mas assim não.
Curiosamente, não muito longe da minha escola há uma zona endinheirada da cidade. Aí a escola é nova, com excelentes condições. Os alunos chegam ao quinto ano com nove ou dez anos, as turmas têm vinte e dois ou vinte e quatro alunos e julgo que todos sabem ler, escrever e calcular com razoável desenvoltura, o que pude deduzir pelos resultados das suas provas de aferição. A net proporciona estas descobertas. Quando reclamei estabelecendo o escabroso paralelo, explicaram-me que essa escola é um Território Educativo de Intervenção Prioritária, isto é, integra aquele programa TEIP que visa promover o sucesso educativo dos alunos integrados em meios particularmente desfavorecidos que se encontram em situações de risco de exclusão social e escolar.
A todos integrar e a todos ensinar mas a uns muito mais do que a outros.
E há prioridades, que diabo! Esta escola que refiro, no ranking pelos exames do 9º ano, está no septuagésimo lugar. Terá que avançar para as dez ou vinte primeiras. Há que criar-lhe as condições, pois.
Fiquei a ranger os dentes.
6 Comments:
Pois...é as condições das esolas públicas, vá se lá saber porque é que as escolas que estão em primeiro lugar não são públicas!
Apesar do que digo, não tenho queixa da minha escola, tenho boas condições para o meu trabalho e para o dos meus alunos! Mas sei que esta situação não é geral em todas as escola...
Nesses resultados há muito malabarismo mas naturalmente que há melhores condições para o trabalho.E se for preciso há os explicadores e os pais que se desunham a trabalhar em casa com os meninos. Hão-de ser(es)forçadamente génios.
Conheço professores que dão "simultaneamente" aulas nessas privadas que ficam à cabeça do ranking e nas públicas que ficam na cauda. Curiosidades!
Olá, Setora
Os rankig claro que são para deitar poeira para o olhos dos nenos esclarecidos. A ministra e tudo o que tem andado a fazer, não será nesmo para que as escolas públicas fiquem em último lugar do ranking?
Fica bem mais barato ao Estado se os meninos forem para as escolas privadas...
Um abraço de uma professora do ensino público...
Todos têm direito o de ter acesso ao sucesso, diz a lei de bases.
Mas como não é verdade, as estatísticas valem o que valem...
E o rei continua a ir nu...
Corrijo« todos têm direito de ter acesso ao sucesso»
Se o programa TEIP cobre uma escola pública de classe alta e deixa fora uma escola como a minha, degradada e numa zona degradada, isto significa que se pretende sucesso para apenas alguns. Os outros, à moda do Carneiro Pacheco, ficarão pelas primeiras letras. Nada de concorrência.Um parco subsidiozito há-de chegar-lhes para que sobrevivam.
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