Mães galinhas ou galinhas chocas?
Não é muito simpático entrar na escola às 8 e pico da manhã para cobrir ausências inesperadas. Mais ainda quando, a seguir a estes 90 minutos de estranhas actividades de acompanhamento educativo, tenho as minhas aulas para dar e que, pela absoluta falta de condições, exigem esforço máximo.
Lá fui chamada para um oitavo ano. Antes queriam ficar no espaço aberto mas sujeitaram-se sem grandes reclamações a ir para a sala de aula também nos degradados pavilhões. E não paravam de entrar. Eram 28 alunos, alguns já de dimensões adultas, que se esforçavam por se acondicionar no reduzido e abafado espaço, nas cadeiras desadequadas aos seus tamanhos.
E lá se puseram a estudar matemática ou geografia ou coisa nenhuma. Fiz umas abordagens, conhecia alguns de anos anteriores e o tempo foi correndo entre factores e elementos de clima, assunto que alguns trouxeram para a roda da minha mesa.
Já para o final do tempo, uma rapariga que estivera no meu círculo sempre segurando na mão um estojo felpudo cor-de-rosa declarou tenho de ver o meu filho. Esbugalhei os olhos enquanto ela, ternurenta, abria o fecho éclair do estojo rosa. Lá dentro um ovo com uns olhitos desenhados na casca, envolvido por uns panitos. Como na atitude dela nada até aí me indiciara qualquer loucura ou paranóia, esperei explicação. Que era um treino para serem mães e não deixarem cair e estragar os filhos, que noutra turma do oitavo ano todas as raparigas andavam a tomar conta dos seus ovinhos, que era uma actividade que até envolvia várias disciplinas, em suma, que era muito giro! Eu, que não via a gireza da coisa, manifestei-me contra a aberração. Tive apoio imediato de uma outra que assistia à cena e que declarou que se recusara a participar naquela mistificação e partira logo o ovo/filho que lhe tinham querido atribuir, acrescentando que quando tivesse filhos era a sério que iria tratar deles.
Vim a mastigar o assunto para a sala dos professores e trouxe-o à conversa. Ora esta ideia chocadeira vinha já do ano anterior e fora importada, ao que supunham, dos Morangos com açucar! Parece que estava nos planos curriculares de algumas turmas. Valha-me santo Alzheimer!
Ainda estou banzada. Será esta a educação sexual que se pretende para raparigas de 14 ou 15 anos? Será deste modo que ganharão responsabilidade para a vida adulta?
Se aos 14 anos na minha jurássica juventude, me tivessem vindo com uma tal proposta eu teria, tal como a outra aluna saudavelmente fez, escacado o ovo e, bem à moda do Porto, teria acompanhado o gesto de alguns impropérios. Pelos vistos ganharia avaliação negativa numa série de competências.
Pus-me a pensar para trás. Na verdade a minha professora de História do 4º ano - agora oitavo - inquiria se brincávamos com bonecas e valorizava tal actividade mas nunca foi professora que me marcasse positivamente, bem pelo contrário. Todas as outras rejeitariam uma tal ideia. Julgo que a minha magnífica professora de Ciências - Maria Emília Medina, para que conste - se nos visse a cuidar estremosamente de ovinhos nos enviaria para tratamento. Dissecava connosco coelhos, punha-nos a analisar ao microscópio células disto e daquilo, ensináva-nos o desenvolvimento de embriões e fetos (conservados em formol no "museu" do liceu) ... nunca quereria educar-nos para mães galinhas ou encarar-nos como galinhas chocas.
Nunca pus nas mãos dos meus filhos aqueles tamagoshis, brinquedo para o qual nunca entendi fundamentação. Verdade que também nunca dei barbies à minha filha ou action-men aos filhos.
Alguém conseguirá adiantar-me uma fundamentação pedagógica aceitável para estas actividades?
Ou estaremos mesmo a transformar-nos em pedabobos (palavra que julgo estar a roubar de uma das crónicas do professor Santana Castilho)?
Lá fui chamada para um oitavo ano. Antes queriam ficar no espaço aberto mas sujeitaram-se sem grandes reclamações a ir para a sala de aula também nos degradados pavilhões. E não paravam de entrar. Eram 28 alunos, alguns já de dimensões adultas, que se esforçavam por se acondicionar no reduzido e abafado espaço, nas cadeiras desadequadas aos seus tamanhos.
E lá se puseram a estudar matemática ou geografia ou coisa nenhuma. Fiz umas abordagens, conhecia alguns de anos anteriores e o tempo foi correndo entre factores e elementos de clima, assunto que alguns trouxeram para a roda da minha mesa.
Já para o final do tempo, uma rapariga que estivera no meu círculo sempre segurando na mão um estojo felpudo cor-de-rosa declarou tenho de ver o meu filho. Esbugalhei os olhos enquanto ela, ternurenta, abria o fecho éclair do estojo rosa. Lá dentro um ovo com uns olhitos desenhados na casca, envolvido por uns panitos. Como na atitude dela nada até aí me indiciara qualquer loucura ou paranóia, esperei explicação. Que era um treino para serem mães e não deixarem cair e estragar os filhos, que noutra turma do oitavo ano todas as raparigas andavam a tomar conta dos seus ovinhos, que era uma actividade que até envolvia várias disciplinas, em suma, que era muito giro! Eu, que não via a gireza da coisa, manifestei-me contra a aberração. Tive apoio imediato de uma outra que assistia à cena e que declarou que se recusara a participar naquela mistificação e partira logo o ovo/filho que lhe tinham querido atribuir, acrescentando que quando tivesse filhos era a sério que iria tratar deles.
Vim a mastigar o assunto para a sala dos professores e trouxe-o à conversa. Ora esta ideia chocadeira vinha já do ano anterior e fora importada, ao que supunham, dos Morangos com açucar! Parece que estava nos planos curriculares de algumas turmas. Valha-me santo Alzheimer!
Ainda estou banzada. Será esta a educação sexual que se pretende para raparigas de 14 ou 15 anos? Será deste modo que ganharão responsabilidade para a vida adulta?
Se aos 14 anos na minha jurássica juventude, me tivessem vindo com uma tal proposta eu teria, tal como a outra aluna saudavelmente fez, escacado o ovo e, bem à moda do Porto, teria acompanhado o gesto de alguns impropérios. Pelos vistos ganharia avaliação negativa numa série de competências.
Pus-me a pensar para trás. Na verdade a minha professora de História do 4º ano - agora oitavo - inquiria se brincávamos com bonecas e valorizava tal actividade mas nunca foi professora que me marcasse positivamente, bem pelo contrário. Todas as outras rejeitariam uma tal ideia. Julgo que a minha magnífica professora de Ciências - Maria Emília Medina, para que conste - se nos visse a cuidar estremosamente de ovinhos nos enviaria para tratamento. Dissecava connosco coelhos, punha-nos a analisar ao microscópio células disto e daquilo, ensináva-nos o desenvolvimento de embriões e fetos (conservados em formol no "museu" do liceu) ... nunca quereria educar-nos para mães galinhas ou encarar-nos como galinhas chocas.
Nunca pus nas mãos dos meus filhos aqueles tamagoshis, brinquedo para o qual nunca entendi fundamentação. Verdade que também nunca dei barbies à minha filha ou action-men aos filhos.
Alguém conseguirá adiantar-me uma fundamentação pedagógica aceitável para estas actividades?
Ou estaremos mesmo a transformar-nos em pedabobos (palavra que julgo estar a roubar de uma das crónicas do professor Santana Castilho)?
9 Comments:
Cara Setora,
que tão bem escreve e até me fez escancarar a rir, queria felicitá-la pela sua persistência e consistência, aproveitando para concordar com o absurdo dessa actividades dos ovos...Que disparate! Dêem irmãos e primos às crianças, para conviver e ajudar no que puderem.
Gostaria de ler uma crónica sua sobre um novo e maravlhoso invento, máquinas que disparam berlindes. Esse novo instrumento que reduz a necessidade de uso dos dedos, que agora apenas têm de apertar um botão, chegaram às escolas, pelo menos à minha. Ouvi dizer, que contudo, o seu preço não é muito acessível, mas há com muitos bonecos e tamanhos....
Por último, gostaria de relembrá-la daquele seu projecto de sabat...importante e pertinente!
Cumprimentos calorosos
Ainda me lembro desta parvoíce dos ovos nos meus anos de ensino secundário. Felizmente nenhum(a) professor(a) se lembrou de levar a ideia para a nossa turma.
É uma ideia verdadeiramente imbecil. Mais ainda porque que a iniciativa só serve para as raparigas (verdade?). Qual será a penalização se alguma aluna partir o ovo?
As máquinas de disparar berlindes é que nunca vi, mas o obejcto deve assemelhar-se a uma arma perigosa. Aceitam isso nas escolas? Minha rica fisga...
Essa ideia delirante não lembra ao diabo, salvo seja!
Se não fosse dramático era cómico. Mas como com coisas sérias não se brinca, parece-me que é melhor abafar o riso.
Até logo
Caríssima Setora,
arranja-me um ovinho desses?
Cozido e já sem casca, pode ser?
Hoje, por "mero acaso" encontrei este seu cantinho e acabei por me perder na "Escola". Confesso que há tanto tempo que o ensino em Portugal não me divertia assim tanto.
Continue por cá para que a possamos ler, ainda que isso implique a sua permanência no galinheiro.
Ando com pouco tempo para vir aqui mas não posso deixar de agradecer aos diligentes comentadores.
Nunca fui especialista em berlinde mas imagino que pode haver acrescento de sabedoria com o mecanismo lançador. Há na mesma pontaria, conhecimento da força a aplicar. E se com os dedos correm rasteiros, com a máquina devem descrever arcos a analisar.O aperto no botão não deve poder ser aleatório para ganhar eficácia. Quando me reformar, quando um dia tiver netos (piada seca aí para cima) estudarei o assunto.
Pois, zé fernando, é mesmo discriminatório este chocar de ovinhos.Que bom para os rapazes. Livram-se deste mau trato.E bem me lembro das tuas fisgas que às vezes confiscava discretamente(confesso).
Obrigada,jg, pelas visitas e comentários. Lá o vou visitando no seu sítio.
E, caro anónimo, ainda bem que se divertiu nesta minha escola. O problema com estes galinheiros é mesmo o h5n1. Anda por aí disfarçado e é deveras infectante.Bem gostava de me pôr a salvo. Embora esteja sempre a aprender e haja destes momentos "hilariantes", nestes 35 anos deste lado da ensinança já vi que chegasse.
Dignamente setora|
Que bem que escreve!
Concordo com tudo o que diz.
Ás vezes sinto que todos estão adormecidos, felizmente que não.
Andava arredada destas leituras, perdi-me com outros berlindes, ou seja, feltro , malhas ,técnica do guardanapo...
Beijinhos e PARABÈNS.
no meu tempo, os ovos na escola era só quando alguém fazia anos.
normalmente partiam-se na cabeça do aniversariante, de preferência com uns punhados de farinha à mistura.
depois de ler esta crónica fiquei preocupado...
Formiga, como foi bom estarmos todos naquele simpático bar cantante à beira do rio!Hei-de escrever sobre esse meu Porto (e arredores) que por aqui tantos desconhecem.
Um abraço para aí
jmpp, essa porcaria hoje seria considerada cena de violência e ficaria na alçada da tolerância zero. Iriam todos festejar para casa durante uns dias.
Preocupe-se, preocupe-se...
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