Os alunos faltam às aulas...
A propósito de um texto sobre as faltas de uma aluna que li no blogue Avaliação dos professores, do professor Ramiro Marques, apeteceu-me publicar este texto que escrevi no início dos anos noventa mas que me parece actual.
R O S Á L I A
Rapariga já crescidota com umas repetências às costas. Olhos bonitos de desafio, mãos fáceis de levar à anca. Matriculava-se todos os anos para ver como paravam as modas. Logo nos primeiros dias de aulas apareceram disseminadas pelo livro de ponto umas quantas faltas da Rosália. No fim da hora de Português tinha que discutir com ela o assunto faltas. Tratei de a preparar fazendo-a ter grande êxito, aplaudindo e brincando com a sua boa capacidade de resposta. Os olhos riam-se-lhe.
No fim da aula pedi-lhe explicações para as faltas. De Matemática não gostava nem percebia nada. A História, não lhe apetecera ir. De manhã, adormecera... Que fosse buscar a caderneta e escrevesse aquelas justificações. Foi e ao pé de mim começou a preencher os quadradinhos: a aluna ... nos dias tantos de tal faltou às aulas de Matemática por motivo de não gostar nem perceber nada;... faltou à aula de História por motivo de não lhe apetecer; ...faltou às aulas de Educação Visual e Educação Física por motivo de ter adormecido. Que assinasse, disse-lhe eu. "Pelo meu pai?", perguntou ela. Hom'essa, agora pelo pai! Então não fora ela que faltara por falta de gosto, de apetite e sono a mais? Que assinasse por ela. Assinou ufana.
Depois expliquei-lhe que já percebera que ela tinha alguma necessidade de faltar porque não aguentava aquela coisa monótona de vir todos os dias para a escola mas, paciência, já esgotara as faltas que eu admitia por razões daquelas para dois meses. Até Dezembro nem mais uma falta, a não ser que adoecesse gravemente. Para de manhã que arranjasse um despertador, se não tivesse eu lho daria. Que não era preciso, havia lá em casa. De Matemática, fiz o elogio da matéria e que pusesse francamente todas as dúvidas à professora que as duas arranjariam modos de as resolver. E que em Dezembro me falasse para combinarmos os dias em que poderia faltar. Primeiro a cara abriu-se-lhe de espanto, depois foi sorriso de orelha a orelha e olhos a brilhar.
Não falou mais em faltas nem faltou. No último período dei-lhe de presente por ter tido "Muito Bom" num teste de Matemática, um dia para faltar. Não aproveitou que já não precisava. Quando toda contente me viera mostrar o dito teste, a risota fôra imensa porque o pai se recusara a assinar-lho por não acreditar naquela habilidade.
A Rosália mudou de escola no 7º ano. Às vezes cruzamo-nos no caminho, eu de carro e ela a pé ou sentada na borda do passeio, à espera do autocarro que há-de vir, e acenamos alegres. Nunca mais reprovou. Vai agora para o 9º ano.
Quando numa reunião de Directores de Turma, face às queixas contra os faltosos, contei esta estratégia das combinações, a gargalhada foi geral. Não era para rir.