Escola

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M. Eugénia Prata Pinheiro

domingo, outubro 29, 2006

Horários

Leio nos jornais que os horários são agora um dos objectos das negociações entre os sindicatos dos professores e o ministério da educação e fico perplexa. E não percebo nada. Como já estou no fim da carreira, o santo protector da minha titularidade deve ser o Alzeimer!

Neste ano de graça lectiva 2006/2007, eu estou na escola 7, 8, 9 horas. E em dias com reuniões já lá tenho estado mais de 11 horas. Estou mesmo a falar de horas. Tenho aulas ao princípio da manhã, a partir das 8h e 15 minutos, depois às horas de almoço, isto é, entre as 11h e 40 minutos e as 14h e 10 minutos e depois ao final da tarde até às 17h e 20 minutos. Nos tempos em que não tenho aulas minhas, ou tenho substituições, ou biblioteca, ou sala P, ou tutoria, ou nada porque nos tempos mesmo livres, daqueles mesmo mesmo livres,(nove), não há onde possa fazer o trabalho que depois tenho que vir fazer para casa - ver trabalhos dos alunos, preparar aulas...

Julgo que outros professores por esse país fora terão horários parecidos com este que me atribuíram e francamente suspeito que os mandantes deste disparate estão lá nas escolas.
E não há estatuto que resolva esta tonteria. O estrito bom senso mandaria que os professores que têm forçosamente que ver trabalhos e preparar diariamente materiais não estivessem normalmente na escola mais do que cinco horas, seis horas diárias. Só quem por lá anda percebe o desgaste de todos aqueles decibéis e da tensão necessária para concretizar com êxito aulas em que os alunos ( turmas de 23 ou 25 crianças ou adolescentes) deverão estar sempre variadamente ocupados de modo a que cada tempo resulte em aprendizagens.

Vi com os meus olhos nas orientações para a abertura do ano lectivo que tudo isto deveria ser tido em conta na distribuição de horas de trabalho individual para cada professor e aplaudi. Não é igual o trabalho de casa que tem que fazer o professor de português ou o professor de educação física. Não é igual o trabalho de casa do professor de português com quatro turmas grandes e dois níveis ao do professor de português com duas turmas do mesmo nível. Mas nada disto foi tido em conta por muitos conselhos executivos e pedagógicos das escolas. Também nunca percebi bem o papel da chamada inspecção. Dir-se-ia que lhe competia verificar do cumprimento destas determinações. Mas nada. E não vi nenhum sindicato a manifestar-se àcerca de nada disto. Há os pequenos lobies, as corporaçõezitas, os nepotismos mais ou menos declarados que lá se vão impondo.!

Claro que a ministra deve estar contente com tudo isto. Com estes ensaios prévios, os professores poderão estatutariamente ficar nas escolas oito horas diárias. Poupará boas lecas nas contratações. E qualidade é só faz de conta.

Veja-se o que vai acontecendo agora em tempo de reuniões intercalares ao final dos dias. É impossível, por desgaste e por falta de tempo, estudar e definir as medidas que em cada turma poderiam conduzir a melhores resultados escolares. E o cansaço e a sensação de faz de conta dominam. Não só nos professores velhos mas também nos jovens.

E, em algumas escolas, esta construção de horários que permite o castigo de alguns professores, talvez da maioria dos professores, resultou em horários de permanência na escola muito extensos para os alunos (quase diariamente das 8h.15m até às 17h 20m) com tempos de desocupação pelo meio que têm levado pais a reclamar. Pais normais não gostam que os filhos estejam na escola tantas horas. Que fazer? Chamar os pais reclamantes e usar de modos de intimidação para que a contestação se abafe. Ficará tudo bem resolvido e a senhora ministra satisfeita. Ora pois!

quinta-feira, outubro 19, 2006

Odeio substituições

Odeio substituições. Odeio-as desde o meu tempo de liceu, já lá vão mais de 40 anos. Nessa altura, no liceu, de dois em dois anos passava qualquer coisa pela cabeça da reitora e instituia substituições nas faltas dos professores. Pois, de dois em dois anos, a minha turma ostentava um garboso currículo de faltas colectivas. Nunca pusemos os pés em nenhuma dessas aulas-fantoche. Mantive o ódio que se acicatou agora que sou obrigada, em posição de palco, a fazê-las.

Outro dia, tratava-se de fazer de conta que os alunos estavam a ter um bloco de dois tempos de inglês. A professora teria deixado um "plano de aula". Entregaram-me o dito já mais de dez minutos depois do início do primeiro tempo do bloco. Dirigi-me para a sala e os alunos lá foram chegando enquanto eu olhava desconsolada para os papeis que tinha nas mãos. Deveria escrever no quadro meia dúzia de palavras com os respectivos significados ( hoje, amanhã, antes, depois...) e distribuir aos alunos uma fichazita sobre os dias da semana. Incipiente para um 2º nível. Rapidamente este tempo chegou ao fim e eu tinha que abandonar a turma para cumprir plantão na sala P (dos parvos - um dia explico, que a esta até acho alguma graça). Não tive hipótese de apoiar todos os alunos na escrita daquela dúzia de frases. Chegou um colega das artes, para cumprir o segundo tempo do bloco, um pouco atarantado com a ideia da aula de inglês "com plano" desconhecido. Acalmei-o. Ele teria que servir aos alunos apenas uma sopita de letras - a segunda ficha- com os sete dias da semana escondidos no emaranhado. E assim se cumpririam dois tempos de aula, por certo devidamente numerados e sumariados.

É faz de conta ou não é? Gato por lebre. Mas a senhora ministra gosta e os professores faltadores deliram - há sempre um idiota de plantão para aquele jogo de enganos.

Hoje então abespinhei-me a sério. Não é que me mandaram substituir o professor de religião! Eu que não tenho deus nenhum, que me arrepio quando subo a escada apainelada pela paixão de cristo executada a roxo faz de conta que pelos alunos, eu, eu, eu vou substituir o professor de religião. Em estado de choque nem consegui puxar pelo estatuto de objector de consciência ou outro estatuto (ele há tantos!) qualquer que permitisse safar-me desta brincadeira de mau gosto. Será que o estatuto da carreira docente serve para isto no blá, blá, blá dos direitos ou dos deveres? Ingenuidades, ilusões... não deve servir para nadinha.

Era o último tempo da tarde daqueles seis alunos (turmas curtas estas de moral!) e tive a esperança que tivessem desaparecido. Não, quatro queriam mesmo a aulazinha. Lá tive de explicar que estava fora daquele contexto, religiões não eram comigo. Pensei propor-lhes que ficassem os três quartos de hora de joelhos, uma penitência jeitosa que os prepararia para outras práticas sadomasoquistas - aulas em salas insalubres (bela aliteração), aulas de substituição, filas para tudo, piercings, tatuagens, azulejaria roxa, trezes de Maio, morangos com açucar e até aulas de religião para não falar de outras práticas aberrantes. Contive-me. Arranjei um exercício de matemática que deu para nos divertirmos. Ainda assim, quando voltei para a sala dos professores (fumadores, claro) tive que fumar um cigarro para lá da conta. Está muito stressante esta profissão! Qualquer dia entro pelo pastilhame dentro (redundância).

terça-feira, outubro 17, 2006

Estatuto da carreira docente

Raio de título!
Está a custar-me falar do estatuto. Acho aquilo uma seca. Para que serve todo aquele articulado?Pretende-se que adoremos estatutos, regulamentos. Tenta treinar-se esta adoração logo cedo na escola. Nas primeiras aulas de cada disciplina vai de definir as regras. E para cada disciplina se vão acumulando regras registadas de modo mais ou menos artístico - cartolinas, papel de cenário, tintas brilhantes de cores variadas. E os cachopos, que agora são mansos, lá vão aturando aquilo. Não, nunca consegui entrar nisto. Registam no primeiro dia no caderno - material principal, a cabeça com o respectivo recheio; regra, respeito por si e pelos outros. Não sou eu a definir a regra, eles chegam lá sozinhos. Isto basta-me para todas as situações.

Se pensarmos bem esta regra única anda, há muitos anos, arredia. Não se gastava papel nem tempo nem paciência.Tudo seria diferente se a senhora ministra respeitasse os professores e os professores a senhora ministra. Se os professores se respeitassem a si próprios e entre si. Se os professores respeitassem os alunos e os alunos os professores. Se os professores respeitassem os pais e os pais os professores. Se os pais respeitassem os alunos e os alunos os pais.

Dinheiro não há e não vai haver e, por mais cambalhotas que dê o articulado, é gato escondido com o rabo de fora. Por isso velho não sai, novo não entra, meão empanca ... que derreta a neve que o meu pé prende.

Visto o articulado à lupa da experiência dá risota certa. Nem sei por que ponta pegar. Quaisqueres pessoas se arrepião cum as cumpetênssias por ali distribuidas a granel. Entendestes, percebestes, fizestes o trabalho de casa?Ó mestre, lestes ou num lestes? Ai bais pra titular, bais... O que nos bale é que estom lá os executibos (iupih!) a garãotir, a curdenar, a cuntrular, a omolugar (omo é tum bão como o tide e brãkear é uma atibidade cibilizada e opurtona). I pods requelamare k eles apressião beim i dessideim!

Não me apetece mesmo.

Direitos, blá, blá, blá , olhe, faz favor há lá umas salas absolutamente doentias, provisórias há 30 anos (se aí vem a gripe das galinhas - e dos frangos e dos galos -, morre lá tudo , alunos e professores, e isso resolve uma série de problemas - ih, ih os meus descontos para a reforma!)

E aqui não é absoluta falta de meios porque se fazem por lá obras espantosas - há uns gradeamentos verdes, modernaços, lindos de morrer, espalhados no terreno nuns sítios como frágeis e inúteis biombos, noutros, como instrumentos de castração, impedindo o acesso aos campos de jogos. E numa escola com terreno imenso não se pode jogar à bola fora da aula de educação física. No meu tempo não era assim. As bolas assobiavam nos pátios, era o mata forte, violento. A saca com a bola fazia parte da mobília que transportei para a escola anos a fio.

Não me apetece mesmo. Obras espantosas! Fizeram obras nas casas de banho e passada uma semana nenhuma porta dos cubículos tinha fecho. Vândalos, são uns vândalos. Pois, talvez, mas estou a falar de obras nas casas de banho dos professores. Não me perguntem o orçamento da empreitada, a selecção do empreiteiro, não sei nada disso. Os professores são uns grandes ignorantes!

Não me apetece mesmo.
Cansei-me.
Talvez volte.

domingo, outubro 15, 2006

Razões de uma grevista

Claro que vou fazer greve.

As razões são muitas e de ordem variada.

Até há pouco tempo eu dizia, para escândalo dos circunstantes, que estava de bem com a profissão e me considerava bem paga. Estou no topo da carreira, no 34º ano de serviço. Tinha 14 tempos de aulas - para mim eram mesmo aulas, não eram cargos e outras derivações - e levava bem mais de 10 horas a ver trabalhos e a preparar aulas e materiais. Mas aguentava isso bem e imaginava que daqui a três anos deixaria a escola contente comigo e contente por deixar espaço para outros mais novos.

De repente o céu começou a cair na minha cabeça - forçadamente rejuvenesci e só daqui a seis, sete, ou oito ou sabe-se lá quantos anos poderei reformar-me. Estou este ano na escola 34 tempos, isto é, mais de 29 horas por semana. Com as bem mais de 10 horas de que preciso para trabalhar em casa, no final da carreira tenho um horário de trabalho de mais de 40 horas. Bonito. Agora até reivindicações salariais já tenho. Assim estou mesmo muito mal paga.

Estou de gatas. Passar onze horas numa escola, dar algumas das aulas em salas com janelas entaipadas por madeira, bandeiras que não se movem para que possa correr um pouco de ar, tapamento de lusalite no pavilhão, 25 pessoas lutando por respirar e o suor escorrendo. Já adoeci, já ando movida a penicilina. Não, ainda não faltei. Falto pouco. No ano passado faltei no dia 2 de Janeiro - para além de o meu sogro fazer nesse dia 90 anos dignos de todas as celebrações, recuso-me a ir trabalhar nesse dia - nunca fui, não ia começar agora que estou velha. E faltei no dia 24 de Abril para fazer uma ponte para tão longe quanto pude.

Claro que forçosamente vou trabalhar mal. Depois de 9, 10, 11 horas na escola é impossível chegar a casa e pegar com êxito em livros e papeis. Troco com todos esses senhores que nos gabinetes ministeriais, jornais, televisões se têm entretido a dissertar sobre a profissão, troco durante uma semana. Se eles aguentarem uma semana. Fica o desafio feito. Senhor Vasco, senhor Marcelo, senhora ministra, senhor secretário de estado, senhor primeiro ministro, à vossa disposição. Deste rol, mesmo para os mais novos a coisa não será fácil. Estar lá às 8.15h, (caminho em obras, betoneiras prantando-se à frente da fila - motorista não vale e de transporte público não é fácil), levar marmita com o almoço (não vale passar à frente dos alunos na fila da cantina e 45 minutos não dão para fila e almoço). Não, também não se pode vir cá fora comer. Ali mesmo ao pé da escola o local mais aprazível é um cemitério mas, como é subúrbio, aquela moderna empresa mortuária ainda não chegou lá e por isso nem sopas, nem chás, nem bolachinhas... Há uma moradia, a cuja belíssima construção assisti, que alberga senhoras dedicadas apenas ao seu senhor. Não, não é uma casa de passe, é de freiras e não serve, ao que julgo, nenhum tipo de refeições. Tudo o mais fica fora de mão.

A escola não ficou melhor - os oportunistas continuam nas suas oportunidades, as corrupçõezinhas mantêm-se, os pequenos (ou grandes) crimes contra os alunos continuam a cometer-se, os professores que gostavam do que faziam e tentavam desempenhar bem a função vêem-se agora às aranhas, embrulhados numa teia de desgaste.

Ao contrário do que se diz por aí, o simplex não chegou à minha escola.

As matrículas foram como sempre um caro exercício de burocracia.

Os horários dos alunos são absurdos. Quatro tempos de aulas matinais, três tempos no intervalo de almoço, para a maioria dos alunos mesmo só para almoçar, e três ou quatro tempos de aulas à tarde. Alguns, poucos, terão actividades - aulas de recuperação, participações num ou outro clube no tal intervalo de almoço. Nunca se faz um balanço sério destas ocupações mas ficamos todos num faz de conta que parece agradar à senhora ministra.

Para ter as suas aulas as turmas correm por onze salas diferentes durante a semana. Lá andam saltitando de sala em sala com a carga às costas. Estão a ver aqueles blocos de noventa minutos distribuídos por duas disciplinas cada uma em sala de pavilhão diferente sem intervalo? Estão a ver quanto tempo forçosamente se perde da segunda aula, por muito que se apressem professores e alunos de um lado para o outro. Como soa ridícula aquela aparente exigência de cumprimento de tempos e marcação de faltas que anda em discussão no estatuto.

Todas aquelas coisas que se espera que vão melhorando, pioram.

Este mês, a senha do passe para os alunos que moram longe da escola só foi distribuída na segunda semana. Isto para muitas daquelas famílias é pesadelo. Aqueles dias todos a pagar senhas quase cobriram o preço do passe. Alguns alunos, cujas famílias não conseguem mesmo dispor desse dinheiro, ou faltam à escola, ou cumprem a pé, correndo alguns riscos, grandes distâncias ou enfiam-se sem bilhete nos autocarros, forçados que são a aprender estes pequenos desvios utilitários. Este enguiço com as senhas do passe significa para alguns o primeiro contacto com fiscais e polícia.

Mas há a "escola segura" que promove um espectáculo de apresentação das múltiplas habilidades das polícias, espectáculo abrilhantado por aquela fabulosa banda dos afamados morangos com açucar cujo nome não sei bem mas anda próximo de sobremesa. E para aqui os alunos só pagarão a deslocação - 2.70 ou 2.90 euros. Se me convocarem para acompanhar os jovens, lá terei de faltar porque já não tenho saúde, fôlego, paciência... Talvez marquem nova greve para esse dia!

Só esta ideia me cansou. Voltarei.



sábado, outubro 14, 2006

Corrupçõezinhas

São hábitos de corrupção e irresponsabilização.

Quando o meu filho mais velho chegou ao décimo ano, passando a poder reprovar por faltas, fez as contas de acordo com a legislação que vigorava e ficou a saber o limite de faltas a cada disciplina. Um dia em Outubro disse à mesa , durante o jantar, que no intervalo para o almoço ele e outros da turma se tinham atrasado no café e tinham tido falta na primeira aula da tarde. Tinham que ter cuidado, concluímos. Não lhe passou pela cabeça propor que lhe justificássemos a falta, naturalmente porque sabia que não lha iríamos justificar. Eram faltas que ele próprio tinha que gerir. Aconteceu uma outra falta destas ainda no primeiro período. Ficou a informação e o alerta para a necessidade de assistir às aulas. Só nós e a família de um outro colega da turma não justificávamos estas faltas pelo que a directora de turma martirizava publicamente os rapazes apregoando que as respectivas famílias não lhes ligavam nenhuma. Ó mãe, vai lá que a professora tem a obsessão dos papeis arrumadinhos e até deve estar à espera que eu falsifique a tua assinatura ... Lá tive que ir ter com a directora de turma para lhe explicar que exactamente porque nos preocupávamos com a formação dos nossos filhos é que não poderíamos justificar aquelas faltas. Deixou de insistir com o rapaz para que levasse justificação deste tipo de faltas mas ficou a achar que éramos tolos, era bem mais fácil fazer como toda a gente.

Esta era uma questão antiga. Quando eu era directora de turma punha nestes termos o problema das justificações aos pais. Que me mandassem as justificações das idas ao médico, das doenças, das saídas com a família. As outras eu trataria com os meninos e mantê-los-ia ao corrente das diligências. Correu sempre tudo bem. Para a escola, aquela falha de papelinhos era péssima para o meu currículo.

A história da Rosa é, aliás, fabulosa.

A Rosa era daquelas alunas que chega à turma acompanhada de largo cadastro. Vivia com o pai, homem já não muito novo. Algumas repetências às costas e títulos peixeira, mal educada, insolente, começa a faltar e é uma sorte...

E na verdade logo nas duas primeiras semanas de aulas a Rosa deu uma série de faltas. Chamei-a e fui inquirindo . De Matemática não gosto, a essas horas adormeço... Propus-lhe que registasse nos papelinhos da caderneta. E lá escreveu. Faltei no dia x a mat porque não gosto; faltei no dia y a... porque adormeci... Pedi que assinasse. Pelo meu pai? Ora essa, agora pelo pai, não era ela quem tinha dado aquelas justificações? Que tinha o pai a ver com aquelas patetices. Assinava por ela. Assinou satisfeita com a sua importância. Claro que a avisei de seguida que estava esgotada a possibilidade de faltar até ao fim do primeiro período. Só mesmo uma doença gravíssima que eu própria iria confirmar. E informei-a logo que no início do segundo período combinaria com ela uns dias para ela faltar. Os olhos abriram-se de espanto mas dei um ar de normalidade à coisa, pondo-me a avaliar das necessidades para que não adormecesse para que a matemática ganhasse novo gosto... A professora de matemática disponibilizou-se para um apoio próximo quando ela quisesse. Não faltou mais até Dezembro. Em Janeiro, no primeiro dia de aulas, propus-lhe que escolhêssemos os dias para ela faltar. Que ainda não era preciso, que se precisasse me diria. Não falamos mais no assunto. Quando no terceiro período teve o melhor teste da turma a matemática, decidi premiá-la com um dia livre. Não quis, não era mesmo preciso. Resolvido este 6º ano, passou para a outra escola e o 7º, 8º e 9º foram canja. Perdi-lhe depois o rasto.

A história do Francisco também é significativa. O Francisco vivia mais ou menos sozinho ajudado nas tarefas domésticas pela empregada da casa. Foi parar, na terceira tentativa para fazer o 9º ano, a uma daquelas turmas com um grupo de alunos fixo desde o primeiro ciclo que vai depois fazendo adopções com êxito. E integraram o Francisco que lá foi conseguindo manter-se à tona com os cadernos organizados e as matérias apreendidas. E lá foi tendo as notas necessárias para que se antevisse uma normal passagem de ano. A tragédia abateu-se sobre a turma para o final do terceiro período. O Francisco ultrapassara o limite de faltas a Educação Física. Reprovara o ano. A turma decidiu que era preciso fazer desaparecer o livro de ponto onde as malfadadas faltas tinham registo. Foi fácil. Era o delegado de turma que carregava com o livro para as aulas. Levou sumiço. Nunca nenhum contou o que se passara. Como não deveria competir aos alunos o transporte do livro de ponto, não tiveram castigo. O Francisco passou.

Há outras histórias de faltas. Faltas dadas com conivências variadas que vão dos pais aos professores e aos médicos para resolver problemas de exames e de médias. Verdadeiros treinos para o salva-se quem pode. Quem tem unhas é que toca guitarra.

domingo, outubro 08, 2006

sexta-feira, outubro 06, 2006

Professor robot do aluno estante

De quantas horas de trabalho pessoal precisa um professor de português, com três ou quatro turmas atribuídas no seu horário, para ver com o necessário cuidado os trabalhos dos seus alunos, para preparar com o devido rigor as suas aulas?

E a pergunta fica de pé para muitas das outras disciplinas.

Se se mantêm estes professores nas escolas, onde não há condições para fazer esse trabalho, por períodos de oito, nove, dez, onze tempos diários, imagino que estejam a brincar às escolas num curioso e merecedor de análise regresso à infância.

Espera-se brio profissional?

Ou perguntar-se-á a estes professores: Foste um bom robot hoje, cumpriste na totalidade o teu plantão?

Depois seguir-se-á o coro de lamentações - só quarenta por cento dos alunos conseguiu nota positiva no exame de 9º ano de português! Só dez por cento em matemática!

E os culpados são sempre os mesmos, os alunos incapazes de aprender!

Mas os alunos, acabados de sair da escola do 1º ciclo, chegam à escola "dos grandes" e têm uma imensidão de coisas para aprender:

- Como chegar às onze ou doze salas por onde os diligentes fabricadores de horários lhes distribuíram as aulas.

- Como esperar numa fila enorme e algo conturbada para levantar a senha do almoço do dia seguinte (cerimónia que se repete para quase todos os alunos todos os dias) e comprar a senha para o pão que não houve tempo para trazer de casa, ir levantar o pão, comer o pão, fazer xixi, lavar as mãos, beber água, tudo isto com a mochila carregada às costas e num espaço de meia-hora que é geralmente o tempo atribuído para intervalo da manhã.

- Como esperar de novo meia hora na fila com a mochila às costas ou sempre debaixo de olho para chegar ao refeitório.

- Aprender a comer o que há (que agora, em alguns casos, não tem qualquer qualidade pois também as empresas fornecedoras adoptaram estratégias de contenção de custos reduzindo as horas de trabalho aos funcionários, reduzindo a qualidade e a variedade da refeição).

- Se, decorrendo da má qualidade, não conseguirem tragar o almoço, terão de aprender a aguentar a fomeca.

- Nos primeiros dias do mês terão de aprender a regressar a casa sem senha de autocarro - os serviços atrapalham-se, falta um qualquer papel que viabilize a entrega atempada.

- Muitos têm de aprender a estar na aula sem livros nem materiais porque aqui entra o s.a.s.e, entidade tranquilamenta caritativa que leva o seu tempo a pôr-se em marcha. (Vem à minha memória, aqueles dois professores que andavam de porta em porta, antes do início das aulas, a apresentar às famílias os livros que iriam ser utilizados durante o ano lectivo, entregando aos alunos os materiais necessários ao arranque do ano escolar - vi com os meus olhos num fim de tarde, lá numa vilazinha numa ponta dum fiorde).

Neste brincar às escolas, o objectivo, em eduquês corrente, é que os alunos aprendam a estar.

E por lá estarão todos muitas horas inúteis tornando-se cada vez mais estantes. Darão bons robots.