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M. Eugénia Prata Pinheiro

domingo, junho 29, 2008

Preparação para as provas de aferição

Uma vez que iriam realizar a prova de aferição, os meus alunos de 6º ano fizeram, no 3º período, duas das provas saídas em anos anteriores. Não me parece escandaloso este trabalho. Estas provas são em geral extensas e havia que prepará-los para que não se intimidassem com a medida e soubessem gerir os tempos.

Tinha previsto, na última aula de 45 minutos antes da prova, trabalhar com a minha turma de sexto ano a análise da frase complexa, relações de coordenação e subordinação, assunto tratado mas menos batalhado.

Estive no barracão tanto tempo à espera que chegassem, vindos da aula de Educação Musical que ocupa os primeiros 45 minutos do primeiro bloco da tarde (bem concebidos estes horários!), que resolvi escrever no quadro algumas recomendações para a prova. Ler com atenção, Pensar, Cumprir as instruções. Escrevi em pontos, colocando uns por baixo dos outros. Eles não apareciam. Saem tarde da aula ou perdem-se no caminho, vão à casa de banho, vão beber água, vão comer qualquer coisa que o almoço foi curto ou já passou há muito. Para enfatizar e ocupar a espera, repeti nas linhas ler com atenção, ler com atenção, pensar, pensar, pensar, cumprir as instruções, cumprir as instruções.

Foram chegando e fui-me “esquecendo” de marcar faltas já que me interessava que todos participassem na aula. Para meu espanto, abriram os cadernos e começaram a copiar as recomendações. Os mais diligentes no cumprimento da tarefa, que eu não encomendara, eram uns mariolas muito desviados no correr do ano mas tentando, nesta parte final, mostrar grande dedicação ao português já que na matemática não tinham esperança. Copiavam repetindo, tal como eu escrevera no quadro.

Berrei não é preciso copiar, é preciso ter na cabeça. Decidi então no momento - cada fila lê uma instrução. Começaram e a coisa soou-me bem. Outra vez – saíu-me. Tinha ritmo, tinha música. Fui apontando fila e frase, variando, variando, foram-se levantando, a coreografia foi aparecendo. Usamos assim o tempo da aula. Lá se foi a coordenação e a subordinação p’ró galheiro. Eles adoraram e eu gostei. Foi forte. E ficou de “hino” o pensaaar, pensaaar, pensar/pensar/pensar que passaram a usar quando lhes parecia oportuno.

E a performance não foi arrasadora – dois B, dois D (um deles até escreve textos razoáveis mas só eu consigo decifrar-lhe a letra e tem sido batalha perdida alterar isto) e um E de um rapaz chegado este ano de Cabo Verde e pouco entrosado ainda com a escola - com turmas grandes e complicadas é difícil o trabalho de proximidade que encurte estes processos. Os restantes ficaram pelo C, quer aqueles aos quais já atribuíra nível quatro quer alguns de nível dois.

Tiveram os B aqueles alunos a quem atribuíra nível cinco. Mãos largas ou o condicionalismo das circunstâncias? Houve um único A na escola e foram duzentos os alunos que realizaram a prova. E era tãããão fáááácil – diz-se!

Tendo percebido este ano, pela tarefa de supervisão de que estive incumbida, que as provas são no final reenviadas às escolas, não entendo por que não trabalhamos nelas agora, neste tempo que se pretende seja de preparação do próximo ano lectivo. Seria útil para o meu trabalho verificar como tinham os meus alunos reagido. No trajecto para o arquivo morto podiam fazer uma passagem pelas minhas mãos. Se se pretende que estas provas sirvam para melhorar as nossas práticas, este secretismo opõe-se a esse desiderato. Podiam emprestar-mas por uma semana, ou por três dias, ou, marcar um encontro dos professores de português do 6º ano, dar-lhes as provas para a mão, deixá-los durante algum tempo analisar o trabalho realizado pelos seus alunos e mandá-las de seguida para o “lixo”.

Farei proposta em reunião de departamento e logo se verá.

sábado, junho 28, 2008

Encontros de 3º grau

Ouvir professores a falar do que lhes vai acontecendo por essas escolas leva-me para outro planeta.

Pelos vistos, vamos aceitando tudo até que o céu nos caia definitivamente sobre a cabeça.

São as horas não lectivas que deviam ser lectivas, são as ausências por visitas de estudo que implicam substituição com plano, as greves que implicam reposição de aulas, os classificadores de provas que, embora dispensados da componente não lectiva, são obrigados a cumprir parte substancial dela, as sedes de agrupamento que fixam as datas das reuniões de avaliação com os pais nas outras escolas independentemente da vontade destas, a falta que se injustifica a um professor que falta a uma reunião da rotina porque foi convocado para participar noutra tarefa da escola, o descalabro que em muitas escolas as actividades de "enriquecimento" causaram...


quarta-feira, junho 25, 2008

Relatório da OCDE

Não li o relatório mas estou banzada a ouvir os comentários do sr. Primeiro Ministro ao dito. A velocidade a que debita as maravilhas tecnológicas que inundaram o rincão, que ritmo!Banda larga, computadores, quadros interativos, estou desejosa de ver tudo isto lá pelos barracões da escola.

Mas já agora, agorinha mesmo, agradecia-se uma impressorazinha. A que está dedicada ao trabalho dos professores/diretores de turma adoeceu gravemente, ontem parecia mesmo ter entregue a alma ao criador, deixando todos à beira do tal ataque de nervos.

Por ora, é só mesmo a impressora, se fachabor.

Ai OCDE, OCDE...

Conselho Geral Transitório

Há tempos fez-se a magna reunião.

Um montão de gente no refeitório - todos os professores, todos os funcionários num final de tarde desapetecível. Um coisoshow com os pontos da leizinha que diziam como se constituia e elegia o conselhão. Datas marcadas para o processo eleitoral e constituição das mesas para a recepção dos votinhos.

Apareceu uma lista para cada sector. Foram afixadas e na segunda-feira seguiu a votação. Na sala dos professores não fumadores a mesa produzia uma berraria tão estridente que me mantive bem longe - bastam-me os decibéis dos alunos, há que proteger os tímpanos.

Quando na terça-feira entrei no espaço dos fumadores, uma colega inquiriu se sabia o resultado da votação da véspera. Não sabia mas estaria a acta afixada - e, muito disponível, fui ao outro lado correr os placards à procura da informação. As listas lá continuavam expostas mas a mesa eleitoral não deixara vestígios. Informei um colega, elemento da lista candidata, da falha de informação - podia ser que ele actuasse para que o erro fosse corrigido. Até ao final da tarde, nada.

Este Conselho começa de acordo com o previsto - acaba de ser eleito e já não existe. Substituirá bem a defunta assembleia. Dei por ela no ano em que me pôs um processo disciplinar (ver O peso dos pesares, 28 de Março) voltando de imediato a apagar-se. O processo disciplinar que decorre este ano - e decorrerá para o ano e para o ano e assim sucessivamente até à reforma final - já nem passou pela Assembleia.

É verdade que este é um Conselho Transitório, mas tão transitório assim...! Nasce e logo é cadáver. Nem sequer cadáver adiado!

Ainda bem que não votei, safa!

(de) Formação dos avaliadores

ACÇÕES DE FORMAÇÃO SOBRE A AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES: RECRUTAMENTO IDEOLÓGICO

Por estes dias, as escolas andam a receber "propostas", mais ou menos compulsivas, de acções de formação sobre avaliação. São acções destinadas aos "avaliadores" (membros de conselhos executivos e das comissões de avaliação e coordenadores de departamento) e a alguns (poucos) "avaliados", estes últimos talvez destinados à triste função de cobaias - por antecipação, pois todos nós iremos ser ser "testados" neste sistema.

Não é difícil antever o que estas acções significam: um imenso trabalho de doutrinação - ou de lavagem do cérebro - que visa "evangelizar" o modelo de avaliação do desempenho que o Ministério pretende impor, convertendo-o numa "boa nova" que os professores deverão, depois, aplicar acriticamente. É mais um passo no esforço de arrebanhamento com que a equipa ministerial procura "pacificar" o próximo ano lectivo. Perante este quadro, a APEDE vem apelar a todos os professores, e em particular aos que irão participar (à força) nas referidas acções de formação, para que não descurem a atitude vigilante e para que mantenham o olhar crítico face a esta nova onda de propaganda. Contra a retórica com que os professores irão, certamente, ser inundados, convém recordar alguns dados elementares:

1 - A avaliação do desempenho não é, nem nunca será, uma ciência exacta (aliás, não é sequer uma ciência).

2 - A avaliação do desempenho, tal como aparece plasmada no Decreto Regulamentar 2/2008 e nas famigeradas grelhas que o concretizam, está fortemente investida, de alto a baixo, por opções ideológicas e políticas que importa saber desmontar.

3 - A suposta "objectivação" do desempenho dos professores, através de uma miríade absurda de micro-parâmetros "quantificáveis", pretende apenas fazer-nos esquecer os factos enunciados nos dois pontos anteriores.

4 - A ideologia dominante no modelo de avaliação perpetrado pelo Ministério consiste em reduzir todas as práticas institucionais ao "paradigma" economicista da "gestão dos recursos". Não é por acaso que a "formação" no referido modelo está a ser ministrada, sobretudo, por especialistas em gestão, e não por pedagogos ou por "cientistas da educação".

5 - A ideologia acima citada julga ser possível avaliar uma prática complexa como a do ensino mediante um esquema reducionista e atomista, no qual essa prática é desdobrada em itens fragmentados, descontextualizados e isolados entre si, aos quais se atribui depois um valor numérico arbitrariamente definido.

6 - A ideologia "gestionária", importada de um universo empresarial tendencialmente opressivo e totalitário, faz da compulsão a hierarquizar os "recursos humanos" uma "necessidade" que se pretende inquestionável.

7 - O modelo ministerial da avaliação dos professores adopta essa compulsão, reforçando-lhe os mecanismos punitivos e disciplinares. Trata-se, precisamente, de disciplinar os docentes, de os fazer vergar perante a ameaça de diferenciações hierárquicas enquanto relações de poder.

8 - Assim como a ideologia gestionária procura manter os trabalhadores, reduzidos a "recursos" descartáveis, sob um regime de vigilância e de controlo permanente, também o modelo ministerial de avaliação do desempenho quer introduzir nas escolas um sistema de "big brother" intrusivo, convertendo os "avaliadores" em inspectores e capatazes ao serviço de um requisito de "transparência" das práticas educativas.

9 - Nessa "transparência", toda a interacção pedagógica com os alunos perde a dimensão de intimidade sem a qual dificilmente se constrói uma relação de confiança com os mesmos.

10 - Os pontos atrás referidos colidem com uma escola onde a construção e a transmissão do saber se faça de forma cooperativa e participada, oposta ao regime de competição selvagem por um bem escasso - as classificações mais elevadas -, regime típico de um mundo mercantilizado que o modelo de avaliação quer impor aos professores e às escolas.

da APEDE - recebido por mail

terça-feira, junho 24, 2008

Titulares de quê - a prova, o concurso, a vaga

Foi publicado o decreto-lei 104/2008 que legisla sobre estas titularidades.Fica a ligação directa para o decreto mas também é fácil consultá-lo no sítio da Imprensa Nacional Casa da Moeda (incm). Se é fácil consultá-lo, parece-me de difícil digestão.

Como desde início me venho manifestando contra a aberração que é esta "categoria", abstenho-me, de momento, de comentários. Fica a informação. Haja quem se entretenha com uma leitura mais cuidada do que a que eu fiz, que não estou com fígado disponível.

sexta-feira, junho 20, 2008

Organização dos horários

Fica aqui o despacho que está a ser negociado entre o ME e Sindicatos.

Li de esguelha, passei à frente alguns artigos. Será de estarmos atentos à formulação final. Muito do que aqui está constava já de anteriores regulamentações que alguns conselhos executivos e pedagógicos não cumpriam. Iremos este ano fazer cumprir?

Provas de aferição 2008 – o processo

Como disse num texto lá para trás, estive arredada destas andanças até este ano. Estar no 10º escalão era inibidor. Este ano fui recrutada para a tarefa de supervisora das provas de Língua Portuguesa do 6º ano. Fiquei surpreendida com a máquina montada.

O processo começou pela formação. Um grupo de formandos demasiado numeroso, uma formadora eficaz. Trabalho intenso e interessante.

Naturalmente que sentira já na pele a dificuldade de construção de itens e critérios de classificação e de há muito percebera as limitações da objectividade nesta actividade de correção de provas de português. Mas com todo aquele trabalho prático desenvolvido em grupo e em par aprendi. Agora muito obrigada mas estou a três ou quatro anos do "fim" e passar alguma coisa do que aprendi, dado o inquinamento gerado nas circunstâncias..., não é muito previsível. Se insistirem no processo, há que recrutar os mais jovens.

Realizada a prova, novo ajuntamento de supervisores e formadora para análise e aferição de critérios e, no dia seguinte, reunião de trabalho com os classificadores que devia coordenar na tarefa. Em escola alheia, a chamada unidade de aferição.

Excelente o trabalho dos professores encarregados desta unidade. Tudo absolutamente organizado, nenhuma falha, disponibilidade completa. Pela certa, muitas, muitas horas de jornada.

Seguiu sem dificuldades a reunião com os classificadores. Embora alguns estivessem intrigados com os critérios que ali os haviam conduzido - só do "além" lhes pode vir esclarecimento -, embora ressaltasse o incómodo gerado por todo aquele trabalho extra sem qualquer compensação, partiram com ânimo e com as molhadas de provas.

Algumas (poucas) dúvidas resolvidas por mail ou telefone e nova reunião de trabalho. Havia que trocar provas, classificar, aferir, acertar critérios. Pois não é que estavam absolutamente dedicados à tarefa! Qual uma, qual duas! Acho que alguns itens foram reanalisados nas quase sessenta provas de cada um. Quando brinquei com eles apreciando aquele gosto e dedicação, admitiram estar a retirar ensinamentos e que isso lhes agradava mas que me livrasse de registar tal na acta. Que ficassem na acta os amargos de boca desta sobrecarga. Cumpri. E saí incólume desta função de mensageiro.

No prazo fixado, mais uma vez com trabalho exemplar dos professores encarregados da unidade de aferição que tudo simplificaram, foram as provas entregues.

Também excelentes estes classificadores e lamento que o contacto com eles tenha sido tão breve. Eram gente interessante.

As dúvidas que, por mail, coloquei ao GAVE tiveram resposta imediata. A máquina para esta prova estava bem oleada.

Concluindo: As provas de exame do secundário, em que estive envolvida quando comecei a trabalhar, destinavam-se a um universo bem mais estreito. E, que me lembre, ninguém me deu formação para “examinadora”. Talvez por isso, na época, para nos aproximarmos da tal inatingível objectividade, obrigávamo-nos a trabalho conjunto na própria escola. Recordo-me da preparação divertida que fazíamos entre pares para os exames orais – havia que tornar menos pesada a circunstância. Já lá vão mais de trinta anos e neste entretempo, dedicada agora ao 2º ciclo, até as provas globais na escola foram sendo engavetadas. Estão a ressuscitar, amém, amém ou talvez vade retro, logo se verá. Aqui há tempos danei-me. Quando nas escolas começaram a ser feitos os "exames" para testar o desempenho dos imigrantes que queriam requerer a nacionalidade, estando dois professores envolvidos na tarefa de classificação das provas, entendeu o coordenador da actividade não ser necessária a aferição de critérios. Os resultados na escola ficaram longe, longe da média nacional. Como me danei, e dano-me sempre por escrito, fui "libertada" da tarefa. Mas passou a fazer-se concertação - dei por bem empregue a fúria e o tempo e energia gastos na reclamação.

Voltando à máquina aferidora, não tinha a noção da enormidade desta tarefa, da quantidade de professores envolvidos, muitos muito sobrecarregados, para pôr de pé estas provas. E o ME terá? E os conselhos executivos saberão?

Todas as palavras

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Manuel Bandeira

Nota: Relembrei num blogue amigo. Gostei de relembrar e trouxe para aqui.

terça-feira, junho 17, 2008

Sindicatos e ME - negociações falhadas?

Os Sindicatos estão a negociar com o ME. Pergunto-me se todos leram antecipadamente o Estatuto da Carreira Docente.

Tanto quanto sei, é ponto em discussão a inclusão das aulas de reforço numa disciplina com um grupo de alunos na componente lectiva dos horários. Ora isto mesmo está consignado no dito ECD. Não há aqui nada a negociar. Há que fazer cumprir porque muitos professores têm as aulas de reforço na componente não lectiva. São as tais tutelinhas mais papistas que o papa. Naturalmente que os professores terão de recusar horários concebidos nestes termos. São ilegais.

Outro ponto em discussão é relativo às aulas de “substituição”. Também aqui se labora em erro. As aulas de substituição não são contestadas por ninguém. São vantagem para professores e alunos. Mas essas aulas são apenas aquelas em que o professor, sabendo que necessita de faltar, dentro do seu departamento encontra um colega disponível para o substituir, cumprindo o seu plano de aula e estando os alunos informados da substituição. Há ainda a hipótese de permuta dentro do conselho de turma e aqui ninguém substitui ninguém. Apenas se trocam as horas das aulas para resolver uma qualquer ausência de antemão conhecida.

E não há nenhuma outra situação de substituição.

Querer discutir quantas horas de “substituição” caberão nos horários não lectivos dos professores é um logro. O que terão de discutir é o que acontece com uma turma cujo professor inesperadamente falta, falta porque ficou amarrado no trânsito, porque subitamente adoeceu ou adoeceu um familiar ao qual deve prestar apoio… O que está definido é que os alunos desenvolvam actividades educativas e não está previsto que estas decorram na sala de aula. Está previsto que os alunos sejam encaminhados para os centros de recurso/bibliotecas, para salas de estudo, para clubes em funcionamento. É claro que muitas escolas não se terão preocupado em organizar nada disto. Resolveram de forma “fácil” – guia de marcha a um qualquer professor de plantão e tudo para a sala de aula com as nefastas consequências imediatamente previsíveis. Os alunos rejeitam à partida aquela ocupação abusiva do “furo”, numa aula de faz de conta, com um professor que desconhecem. O professor também desconhece aqueles alunos ficando assim desarmado para resolver situações que surjam com a necessária segurança, correndo mesmo o risco de involuntariamente gerir mal aquele tempo contratempo. Esta (des)organização que as escolas adotaram tem subvertido o espaço aula e contribuído para o aumento da indisciplina e desautorização do professor.

Quando Sindicatos e ME falam de aulas de “substituição, estão a falar de quê?

Outro ponto em discussão é o do tempo para trabalho “individual”. Desde que li no famigerado entendimento que para os professores de 1º ciclo bastariam oito horas semanais que naturalmente desconfio da capacidade negocial destas partes. Desde que vi conselhos pedagógicos das escolas a entenderem que todos os professores, fossem de que disciplina fossem, tivessem quantas turmas tivessem, precisavam do mesmo tempo de preparação do seu trabalho que desconfio que estamos a brincar às escolinhas. E não me lembro que os Sindicatos tenham intervindo nestas situações que tanto sobrecarregam alguns professores.

terça-feira, junho 10, 2008

Desidério Murcho escreveu

Ensinar a fingir
Ensinar é difícil. Exige virtudes que poucos seres humanos têm: paciência, humildade, curiosidade científica, sensibilidade pedagógica e didáctica, gosto em dar a saber a quem sabe menos, gosto pelo contacto humano com os estudantes. Acresce que não há métodos automáticos que garantam a excelência do ensino, tal como não há métodos automáticos que garantam a excelência da investigação. Exige-se perspicácia, maturidade, inteligência, criatividade, vistas largas.
A excelência do ensino depende exclusivamente dos professores. Algumas medidas do governo central podem potenciar ou estimular a excelência educativa, mas não podem criá-la por decreto. De modo que toda a intervenção do ensino que vise a excelência educativa tem de ser sobretudo um estímulo aos professores para fazer melhor.
E os professores não podem fazer melhor se não estudarem, pois o aspecto central da nossa falta de qualidade educativa é a pura falta de conhecimentos fundamentais que deviam ser solidamente dominados pelos professores.
A mentalidade portuguesa não facilita as coisas. Mal se tenta corrigir um colega, isso é encarado como arrogância, e não como um gesto de partilha. Mal se procura divulgar bibliografias adequadas, isso é encarado como tentativa de imposição ideológica de uns autores em detrimento de outros. Com esta mentalidade, é difícil criar ensino de qualidade.
Ao longo dos anos, e sobretudo ultimamente, o papel do Ministério da Educação tem sido largamente guiado pelo único tipo de coisa que os políticos e os burocratas conhecem: a realidade virtual. Não importa se os estudantes realmente aprendem, desde que se finja que aprendem e desde que não sejam reprovados. Também não interessa se os professores realmente ensinam, desde que preencham grelhas e formulários infinitos, para dar a impressão de que estão a trabalhar.
É que para a mentalidade burocrática e política, segundo a qual a realidade só tem densidade se estiver organizada num formulário, passar duas horas a ler um livro deve ser o cúmulo do desperdício de tempo dos professores. No entanto, para se dar uma revolução no nosso ensino bastaria que os nossos professores estudassem diariamente, durante duas horas, livros cientificamente sólidos sobre a sua área de actuação.
Um bom professor, seja de que matéria for, tem de dominar até à letra H se leccionar até à letra D. Não pode dar-se o caso de andar a leccionar até à letra H dominando apenas as matérias até à letra D. Mas não se deve encarar como escandaloso que um professor não tenha os conhecimentos que devia ter. Afinal, o mundo não é perfeito e as universidades que os formaram também não. O que importa é partir dessa realidade e fazer algo que seja construtivo.
E o que há de construtivo a fazer é, cooperando, criar estruturas que permitam que quem sabe mais e conhece melhor as bibliografias relevantes possa partilhar os seus conhecimentos com os colegas. Enquanto na escola não houver uma atitude de genuína partilha de conhecimentos, o ensino será só a fingir.


Transcrevi do Público. É uma boa análise com excelentes propostas. Propostas inviáveis em tempos de concorrência acicatada pela agudização da crise. E mais inviáveis ainda com a avaliação para encrenca poupadora, a formação para negócio, a gestão para estatística e alunos para embalsamar.