Volto às salas da minha escola deste meu
mundo outro agora a abarrotar de gente. Este ano enfiaram-se naquelas salas turmas de 26 alunos, do 6º ano, ou de 28 alunos do 5º. Para lá da falta de ar e da oferta gratuita de sauna, o espaço exíguo para tantos alunos quase não me permite circular pelas coxias. Cuidado máximo para não lhes perturbar a escrita nem lhes derrubar os cadernos. Não sendo anoréctica, também não sou obesa mas, ainda assim, não consigo evitar um piparote aqui, outro piparote acolá. E, continuando a chegar ao 5º ano alunos que não dominam de todo, ou mal dominam, a leitura e a escrita, é forçoso esse trabalho mais próximo que fica quase interdito.
No ano passado trabalhei com duas turmas de 5º ano. O normal seria aplicar aquele conceito de continuidade pedagógica defendido no mundo real. Aqui neste
mundo outro aplica-se consoante. A mim e aos meus alunos frequentemente não se aplica.
Este ano lá exterminaram uma das turmas com que trabalhei. Razões aleatórias. Não teve grande êxito mas não foi a turma com maior insucesso do 5º ano.
A turma tinha sido constituída nos seguintes termos:
Cinco alunos – permanência de 7 anos no 1º ciclo (um deles não aprendera a ler)
Dois alunos - 6 anos no 1º ciclo (um deles não aprendera a ler e o outro mal conseguia fazê-lo)
Quatro alunos – 5 anos no 1º ciclo
Três alunos a repetir o 5º ano
Nove alunos com indicação de 1º ciclo satisfatório
Um aluno acabado de chegar do Brasil com um nível satisfatório
Esta constituição de turma indiciava dificuldades que se agravaram com circunstâncias diversas:
Três professores da turma (os dois de EVT e a professora de Matemática/EA) meteram baixas prolongadas o que implicou a sua substituição, no caso da Matemática com intermitências e estando depois doente por um período superior a duas semanas a própria professora que substituía a professora titular da disciplina.
Tudo isto reduziu o número de aulas e aumentou o número de actividades de acompanhamento educativo apoiadas por variados professores, o que contribuiu para aumentar a desestabilização da turma. Neste mundo outro estas actividades transformam-se frequentemente em acompanhamentos deseducativos.
O horário da turma concretizava-se em mais de doze salas. Lá andavam os alunos saltando de sala em sala com a carga às costas.
Não foi possível encontrar uma solução que permitisse um apoio dedicado àqueles alunos que não conseguiam ler. Propus trabalhar com eles nos meus furos já que neste mundo outro o meu horário ultrapassava as vinte e nove horas de permanência na escola. Não foi autorizado porque perderiam algumas das suas aulas que coincidiam com os meus furos, blá, blá, blá... perderam-nas todas porque se fartaram e abandonaram a escola.
Transitaram catorze que foram espalhados por outras turmas. Requeri em Julho ficar com a turma onde tinham incluído oito destes alunos, turma que não tinha professor de continuidade.Tivera um professor contratado agora desempregado. Soube em Setembro, dois dias antes do início das aulas, que o meu requerimento fora indeferido.
A distribuição do serviço neste mundo outro é fantástica. A um professor do grupo História/LínguaPortuguesa, que leccionou Língua Portuguesa com sucesso reconhecido, atribui-se História; a um professor do mesmo grupo, que gosta de leccionar a História e que nunca leccionou a Língua Portuguesa, atribui-se a Língua Portuguesa. Foi este mesmo que ficou com aquela turma. São enviesados os caminhos do êxito.
Com a minha jurássica licenciatura em Filologia Românica, vou mantendo a Língua Portuguesa e, por tabela, o Estudo Acompanhado e lá mantive um 6º ano de continuidade. Ganhei um 5º ano, o tal de 28 alunos que me garante a prática de slalom.
Prometi a mim mesma que, no ano em que não conseguisse ter dominado todos os nomes dos alunos no final da primeira aula, meteria a papelada para a reforma. Ainda não é este ano. Vai-me valendo (ou desvalendo?) o meu santo Alzheimer.
Cá o meu critério seria medir pelo menos 1,90 metros...
Não é só por gostar de gente alta (homens, já agora...) mas porque tenho na minha sala um quadro interactivo e ninguém com menos dessa altura chega ao tecto para endireitar o projector que passa a vida fora do sítio!
Ó saltapocinhas, estás cheia de sorte. Isso é que é avanço tecnológico! Com que então, quadros interactivos! Sim senhora!
Pensando melhor, os da minha escola, pretos ou verdes rançosos, para escrever com o velho giz poeirento, também promovem significativas interacções.
Escreve-se neles com dificuldade pela sua condição sebosa, o que naturalmente impede a leitura escorreita, problema agravado com a iluminação que provoca reflexos impeditivos da descodificação do escrito, a partir de diversos pontos das sala.
E então, "ó setora, o que é que diz ali?", e movimentam-se para encontrar o melhor ponto de luz, caminham até ao quadro para lhe pôr o nariz em cima ou usam de imediata criatividade e inventam o que não conseguem ler.
As deslocações suscitam sub-reptícias rasteiras, promovem quedas aparatosas dos malfadados dossiers A4 que se estendem para as coxias. Podem seguir-se ligeiras batalhas.
Em suma - comunicação, movimento, acção, imaginação, interacção.
Estava com inveja do teu quadro e, depois deste exercício, fiquei a achar que o meu é melhor que o teu.
Até me esqueci do homem de metro e noventa que, na verdade, faz jeito em qualquer escola. Critério admitido!