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M. Eugénia Prata Pinheiro

quarta-feira, novembro 28, 2007

Polis

Entrei na sala de professores e uma colega chamou-me. Estava agastada. Saíra da sua aula, fora à papelaria e vira investirem pelo pátio da escola uns quantos polícias, possivelmente da brigada Escola Segura, a "pescar à unha" alunos que tinham acabado de participar tranquila e cuidadosamente na sua aula. A atitude hostil dos homens gerara tensão.

A colega, da minha jurássica geração, interrogava-se sobre como era possível esta intervenção sem acompanhamento de qualquer professor ou funcionário.

Num texto que aqui publiquei em 9 de Janeiro, Pano para mangas - escola segura levantei dúvidas sobre a capacidade destes homens de fazerem jus ao nome - defensores da polis, da cidadania. Saberiam ser fautores de socialização ou apenas provocadores de medos desencadeadores de revoltas?

Mantenho as dúvidas e gostei da recente avaliação tornada pública pelo senhor inspector-geral da IGAI, já não o das gravatas mas o que tem Clemente no nome.

Vou acender umas velas - luzes para o desejo de que esta avaliação possa conduzir a uma melhor formação.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Bruxarias

Numa aula de ontem um aluno, dos mais novitos, de nove ou dez anos, chamou-me bruxa. Fez eco nos que estavam próximo dele que de imediato bradaram ele chamou bruxa à setora. E tive que ouvir.

Eu tinha avisado que iam fazer teste mas eles desconheciam que, em cada mesa, cada um estaria a trabalhar um teste diferente do outro. A surpresa fez explodir algumas raivas.

Expliquei que o problema não seria eles copiarem. O problema seria eles não poderem aproveitar aquele momento de teste para usarem as suas próprias cabeças, um trabalho individual que permitiria que aprendessem. E era isso que eu queria, que aproveitassem para aprender.

Alguns apoiaram de imediato e dedicaram-se à tarefa. Outros, numa dada zona da sala, mantiveram-se agitados o que me obrigou a aproximar-me e elevar a voz, apelando à urgência de concentração no trabalho. E foi na sequência deste ralhete que, quando já chegava à minha mesa, saltou o bruxa.

Os que por eco me passaram o "insulto" mantinham-se espectantes antecipando refrega. Não devo ter feito o esperado ar de indignação pelo que se ouviram uns espantados não o castiga, não vai fazer nada... Lá pus os meus pontos nos is. Não andávamos a ler uns contos com fadas boas e bruxas más? Para ele, eu estava a fazer-lhe uma malvadez. Desabafou. Os meninos/ecos fizeram-me chegar o desabafo. Agora tratava-se de partir para a tarefa. Talvez no final do teste percebessem todos que tinha sido bom trabalhar daquele modo. E, ainda assim, o meu papel seria algumas vezes de bruxa ao obrigá-los a fazer coisas aparentemente desagradáveis. No final do ano avaliaríamos o calibre da bruxa.

Passámos adiante.

Pensando no episódio e no ambiente que se vive na escola, não estou livre de que apareça por artes de alguém (alguma fada boa, muito protectora e com elevados conceitos de disciplina) uma participaçãozinha dizendo que o aluno tal chamou bruxa à professora e a professora não o castigou. E lá levaremos os dois nas orelhas. O rapaz irá para casa meditar uns dias - é a moda - e eu serei "chamada à pedra" por desobediência a uma coisa chamada "tolerância zero para os comportamentos desajustados e para a violência". Não sei se este bruxa terá enquadramento na violência ou nos comportamentos desajustados e qual será a cotação mas pelo que vou vendo deve estar alta.

Nos meus tempos de adolescente, fazíamos adaptações do hino (esse, o nacional) metendo lá as bruxas do liceu e as profes sabiam de cor o verso que lhes estava destinado. Tive, em algumas aulas, professores que, antes de actuar disciplinarmente sobre uma infracção, abriam espaço à intervenção do "advogado de defesa". Cumpri muitas vezes esse papel. E lá íamos aprendendo. Mas já lá vai muito, muito tempo.

Hoje, por estes blogues, pelos cartazes das manifes, possivelmente em todas as salas de professores, chama-se bruxa à senhora ministra. Mas são os professores, que diabo.

Aqui há uns anos, numa acção de formação a que assisti na escola, a formadora tratou o conceito de respeito de modo judicioso. Como pode um adulto considerar que um catraio lhe está a faltar ao respeito quando profere uma patetice, uma impertinência? Se vamos por aí, o respeito fica desvirtuado. Há que enquadrar a patetice, avaliá-la na justa medida e dar-lhe saída airosa. E a senhora transpunha o assunto também para o quadro das relações familiares e de amizade. Se uma qualquer resposta mais azeda ou impertinente é de imediato rotulada de desrespeito, lá vai o respeito para o chão. Estragam-se os equilíbrios e parte-se para a violência.

Era bom que usássemos a experiência e respeitássemos os rituais do crescer com os necessários espaços para a crítica e o afrontamento. E como se aprende se conseguirmos pôr algum humor no confronto!

E eu que gosto do miúdo Calvin!

Respeitemo-nos, pois.


quinta-feira, novembro 08, 2007

Mães galinhas ou galinhas chocas?

Não é muito simpático entrar na escola às 8 e pico da manhã para cobrir ausências inesperadas. Mais ainda quando, a seguir a estes 90 minutos de estranhas actividades de acompanhamento educativo, tenho as minhas aulas para dar e que, pela absoluta falta de condições, exigem esforço máximo.

Lá fui chamada para um oitavo ano. Antes queriam ficar no espaço aberto mas sujeitaram-se sem grandes reclamações a ir para a sala de aula também nos degradados pavilhões. E não paravam de entrar. Eram 28 alunos, alguns já de dimensões adultas, que se esforçavam por se acondicionar no reduzido e abafado espaço, nas cadeiras desadequadas aos seus tamanhos.

E lá se puseram a estudar matemática ou geografia ou coisa nenhuma. Fiz umas abordagens, conhecia alguns de anos anteriores e o tempo foi correndo entre factores e elementos de clima, assunto que alguns trouxeram para a roda da minha mesa.

Já para o final do tempo, uma rapariga que estivera no meu círculo sempre segurando na mão um estojo felpudo cor-de-rosa declarou tenho de ver o meu filho. Esbugalhei os olhos enquanto ela, ternurenta, abria o fecho éclair do estojo rosa. Lá dentro um ovo com uns olhitos desenhados na casca, envolvido por uns panitos. Como na atitude dela nada até aí me indiciara qualquer loucura ou paranóia, esperei explicação. Que era um treino para serem mães e não deixarem cair e estragar os filhos, que noutra turma do oitavo ano todas as raparigas andavam a tomar conta dos seus ovinhos, que era uma actividade que até envolvia várias disciplinas, em suma, que era muito giro! Eu, que não via a gireza da coisa, manifestei-me contra a aberração. Tive apoio imediato de uma outra que assistia à cena e que declarou que se recusara a participar naquela mistificação e partira logo o ovo/filho que lhe tinham querido atribuir, acrescentando que quando tivesse filhos era a sério que iria tratar deles.

Vim a mastigar o assunto para a sala dos professores e trouxe-o à conversa. Ora esta ideia chocadeira vinha já do ano anterior e fora importada, ao que supunham, dos Morangos com açucar! Parece que estava nos planos curriculares de algumas turmas. Valha-me santo Alzheimer!

Ainda estou banzada. Será esta a educação sexual que se pretende para raparigas de 14 ou 15 anos? Será deste modo que ganharão responsabilidade para a vida adulta?

Se aos 14 anos na minha jurássica juventude, me tivessem vindo com uma tal proposta eu teria, tal como a outra aluna saudavelmente fez, escacado o ovo e, bem à moda do Porto, teria acompanhado o gesto de alguns impropérios. Pelos vistos ganharia avaliação negativa numa série de competências.

Pus-me a pensar para trás. Na verdade a minha professora de História do 4º ano - agora oitavo - inquiria se brincávamos com bonecas e valorizava tal actividade mas nunca foi professora que me marcasse positivamente, bem pelo contrário. Todas as outras rejeitariam uma tal ideia. Julgo que a minha magnífica professora de Ciências - Maria Emília Medina, para que conste - se nos visse a cuidar estremosamente de ovinhos nos enviaria para tratamento. Dissecava connosco coelhos, punha-nos a analisar ao microscópio células disto e daquilo, ensináva-nos o desenvolvimento de embriões e fetos (conservados em formol no "museu" do liceu) ... nunca quereria educar-nos para mães galinhas ou encarar-nos como galinhas chocas.

Nunca pus nas mãos dos meus filhos aqueles tamagoshis, brinquedo para o qual nunca entendi fundamentação. Verdade que também nunca dei barbies à minha filha ou action-men aos filhos.

Alguém conseguirá adiantar-me uma fundamentação pedagógica aceitável para estas actividades?

Ou estaremos mesmo a transformar-nos em pedabobos (palavra que julgo estar a roubar de uma das crónicas do professor Santana Castilho)?

terça-feira, novembro 06, 2007

Estatuto do aluno e alunos estatutários

Não li o Estatuto do Aluno. Provavelmente nunca o irei ler.

Vagamente incomodada por esta indisponibilidade inquiri alguns professores da minha escola deste mundo outro. Teriam eles lido? Não, claro que não. Alguns (poucos) tinham passado os olhos pelos artigos mais polémicos. Fiquei contente. Afinal ainda há uma reserva significativa de saúde mental por aqui.

Os autores do documento não fazem a coisa por menos - exaram 60 (sessenta) artigos, desdobrados em múltiplos números e alíneas.

Um tal intrincado legislativo revela antes de mais uma qualquer psicose que não sei definir mas que me parece atacar gente que vive acondicionada no isolamento de gabinetes. O pó e os ácaros das carpetes ou aquelas bactérias maléficas instaladas nos aparelhos do ar condicionado podem bem ser responsáveis por estes distúrbios da mente.

Prefiro procurar razões desta ordem e não vir para aqui dizer que o fetiche do direito lhes obnubila o espírito e os obriga a produzir na onda do Código Civil ou pelo modelo do Regulamento de Disciplina Militar.

Estou condoída e parece-me que seria de providenciar rapidamente tratamento médico, neurológico ou psiquiátrico. Ainda por cima o mal espalha-se. Salta do Ministério da Educação para a Assembleia da República, daqui para o Palácio de Belém, parece ter já infectado uns quantos ógãos da comunicação social e anda mesmo por aqui pela blogosfera. Debruçam-se sobre o articulado. Valha a verdade que por ora mergulham sobretudo no artigo 22 - fetiche da capicua. E nesta zona do estatuto que, ao que já percebi, badala o assunto faltas, até iria divertir-me se se entretivessem a determinar o peso das ausências àquelas interessantes aulas de Actividades de Acompanhamento Educativo.

Mas, nada garante que estejamos a salvo de maiores retorcimentos e que não venham por aí esmiuçamentos maiores - às segundas, quartas e sextas a entrada na sala de aula é com o pé direito, às terças e quintas faz-se com o pé esquerdo, estabelecendo-se de seguida as semanas para a alternância do pezinho para que não resultem daqui desvios nos esqueletos juvenis. E determinações quejandas para o ouvidito no telemóvel - esquerdo, direito, esquerdo, direito... a bem da saúde auditiva e do lado do cérebro exposto às ondas.

Não tarda a doença vai atingir algum movimento convictamente feminista que virá reclamar um Estatuto da Aluna. Nada de discriminações.

Inquinação generalizada, valha-me santo Alzheimer!

Felizmente os alunos deste meu mundo outro não são alunos estatutários.