Numa aula de ontem um aluno, dos mais novitos, de nove ou dez anos, chamou-me bruxa. Fez eco nos que estavam próximo dele que de imediato bradaram ele chamou bruxa à setora. E tive que ouvir.
Eu tinha avisado que iam fazer teste mas eles desconheciam que, em cada mesa, cada um estaria a trabalhar um teste diferente do outro. A surpresa fez explodir algumas raivas.
Expliquei que o problema não seria eles copiarem. O problema seria eles não poderem aproveitar aquele momento de teste para usarem as suas próprias cabeças, um trabalho individual que permitiria que aprendessem. E era isso que eu queria, que aproveitassem para aprender.
Alguns apoiaram de imediato e dedicaram-se à tarefa. Outros, numa dada zona da sala, mantiveram-se agitados o que me obrigou a aproximar-me e elevar a voz, apelando à urgência de concentração no trabalho. E foi na sequência deste ralhete que, quando já chegava à minha mesa, saltou o bruxa.
Os que por eco me passaram o "insulto" mantinham-se espectantes antecipando refrega. Não devo ter feito o esperado ar de indignação pelo que se ouviram uns espantados não o castiga, não vai fazer nada... Lá pus os meus pontos nos is. Não andávamos a ler uns contos com fadas boas e bruxas más? Para ele, eu estava a fazer-lhe uma malvadez. Desabafou. Os meninos/ecos fizeram-me chegar o desabafo. Agora tratava-se de partir para a tarefa. Talvez no final do teste percebessem todos que tinha sido bom trabalhar daquele modo. E, ainda assim, o meu papel seria algumas vezes de bruxa ao obrigá-los a fazer coisas aparentemente desagradáveis. No final do ano avaliaríamos o calibre da bruxa.
Passámos adiante.
Pensando no episódio e no ambiente que se vive na escola, não estou livre de que apareça por artes de alguém (alguma fada boa, muito protectora e com elevados conceitos de disciplina) uma participaçãozinha dizendo que o aluno tal chamou bruxa à professora e a professora não o castigou. E lá levaremos os dois nas orelhas. O rapaz irá para casa meditar uns dias - é a moda - e eu serei "chamada à pedra" por desobediência a uma coisa chamada "tolerância zero para os comportamentos desajustados e para a violência". Não sei se este bruxa terá enquadramento na violência ou nos comportamentos desajustados e qual será a cotação mas pelo que vou vendo deve estar alta.
Nos meus tempos de adolescente, fazíamos adaptações do hino (esse, o nacional) metendo lá as bruxas do liceu e as profes sabiam de cor o verso que lhes estava destinado. Tive, em algumas aulas, professores que, antes de actuar disciplinarmente sobre uma infracção, abriam espaço à intervenção do "advogado de defesa". Cumpri muitas vezes esse papel. E lá íamos aprendendo. Mas já lá vai muito, muito tempo.
Hoje, por estes blogues, pelos cartazes das manifes, possivelmente em todas as salas de professores, chama-se bruxa à senhora ministra. Mas são os professores, que diabo.
Aqui há uns anos, numa acção de formação a que assisti na escola, a formadora tratou o conceito de respeito de modo judicioso. Como pode um adulto considerar que um catraio lhe está a faltar ao respeito quando profere uma patetice, uma impertinência? Se vamos por aí, o respeito fica desvirtuado. Há que enquadrar a patetice, avaliá-la na justa medida e dar-lhe saída airosa. E a senhora transpunha o assunto também para o quadro das relações familiares e de amizade. Se uma qualquer resposta mais azeda ou impertinente é de imediato rotulada de desrespeito, lá vai o respeito para o chão. Estragam-se os equilíbrios e parte-se para a violência.
Era bom que usássemos a experiência e respeitássemos os rituais do crescer com os necessários espaços para a crítica e o afrontamento. E como se aprende se conseguirmos pôr algum humor no confronto!
E eu que gosto do miúdo Calvin!
Respeitemo-nos, pois.